18/06/2020 – Meio mundo parou para se proteger do novo coronavírus. Comércio, restaurantes, indústrias, transportes: em muitos países, tudo fechou, enquanto populações inteiras se confinaram em casa. Mesmo assim, a queda de emissões mundiais de CO2 foi de apenas 5,5%. No balanço do ano, deve chegar a 8%, conforme as estimativas da Agência Internacional de Energia (AIE).

Trata-se da queda mais significativa desde a Segunda Guerra Mundial, possível graças a um contexto excepcional. Os esforços para conter a pandemia evidenciaram o quanto as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa são um objetivo difícil de atingir.

O Acordo de Paris sobre o Clima prevê que, para limitar o aquecimento do planeta em 1,5°C até o fim deste século, será necessária uma queda de 7,6% de CO2 por ano até 2030. “O fato de ser um objetivo de probabilidade baixa não quer dizer que não deva ser colocado. O papel dos cientistas é dizer que o desejável é não ultrapassar 2°C”, argumenta o cientista Emílio La Rovere, coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente e o Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Ele relembra que, no futuro, o IPCC deve ser acusado não de ter exagerado nas previsões sobre o aquecimento do planeta, mas sim por ter demorado a perceber a extensão do problema. “Agora, se você quiser apostar se nós vamos conseguir subir só 2°C ou 1,5°C, infelizmente, eu não vou apostar que vamos. A chance é extremamente pequena e diminui a cada dia”, lamenta.

Esforço conjunto para atingir objetivos

Para Arnaud Schwartz, presidente da organização ambiental France Nature Environnement, uma das mais importantes da França, a experiência do combate à Covid-19 ressalta o quanto os países precisam intensificar as medidas para poluir menos, principalmente no setor energético e de transportes.

“A redução de gases de efeito estufa que obtivemos em alguns meses de confinamento corresponde ao que devemos fazer a cada ano: 10% a menos por ano. Significa que precisamos desacelerar ao longo do ano, em especial nas atividades que são mais impactantes”, indica Schwartz. “Todos podem contribuir. Podemos rever as nossas práticas, por exemplo, em termos de deslocamentos: os de menos de 10 quilômetros não precisam, sistematicamente, de um veículo. Podem ser feitos apenas com a nossa força física.”

O principal vilão das emissões, ressalta La Rovere, é a energia fóssil a carvão. Apesar dos avanços rumo às energias renováveis, como eólicas e solar, o mundo ainda está longe de abandonar a fonte mais poluente.

“Tem que acabar com o carvão mineral o mais rápido possível. Hoje, mais da metade da energia do mundo vem do carvão mineral”, sublinha o professor da UFRJ. “Evidentemente, mesmo estando trancados em casa, se a eletricidade que consumimos vem de central térmica a carvão, não tem como melhorar. E não é só a China e a Índia: são os Estados Unidos e, pior, a Alemanha e a Dinamarca, que posam de grandes ecologistas.”

No Brasil, maior problema é o desmatamento

Já o Brasil posou por anos como um dos maiores exemplos na queda de emissões, graças à sua matriz energética majoritariamente limpa e à diminuição do desmatamento. Entretanto, o jogo virou a partir de 2012: a devastação das florestas respondeu por 44% do CO2 emitido pelo país em 2019, conforme dados do Observatório do Clima.

“Todo o ganho que tivemos de 2004 a 2012, com queda de 80% de desmatamento anual, um sucesso extraordinário que permitiu o Brasil reduzir de 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente por ano, está indo pela janela. Nenhum país do mundo teve uma redução assim, nem próxima”, frisa La Rovere.

Crise ameaça New Green Deal europeu; pressão aumenta por retomada verde

Num contexto de crise econômica sem precedentes, causada pela pandemia, o desafio tende a ser ainda mais árduo. A prioridade dos governos é uma só: é salvar empregos e relançar a atividade.

A União Europeia analisa um plano para uma retomada verde, com medidas como aumento dos incentivos para a transição ecológica em setores-chave como os transportes. O New Green Deal da Comissão Europeia espera atingir a neutralidade de carbono até 2050 – um plano ambicioso, mas que agora se vê ameaçado pela crise que chegou de surpresa.

As propostas esbarram em contradições como planos de ajuda bilionária para os setores automotivo e aéreo, duramente atingidos pela quarentena. Arnaud Schwartz avalia que, na prática, apenas o apoio à fabricação de motores elétricos não é suficiente.

“O problema é que os estímulos não funcionam. É preciso ter obrigações e ser mais claro sobre que rumo queremos que essas empresas tomem”, diz o ambientalista.

Ex-integrante do IPCC, o painel de cientistas da ONU sobre mudanças climáticas, Emílio La Rovere concorda que os governos têm um papel central nessa mudança de rumos, ao colocar como prioritários os setores que contribuem para a preservação do planeta.

“O sistema de preços é feito para sinalizar aos agentes econômicos o que é bom e o que é ruim para a sociedade consumir. Tudo que emite gases de efeito estufa pode ser apontado como algo que temos interesse em minimizar o consumo”, nota o brasileiro. “Assim, abre espaço para a viabilidade econômica de outras tecnologias ambientalmente amigáveis.”

Fonte: RFI