11/03/2020 – As fontes de energia renovável costumavam seguir uma lógica simples. Quando o preço do petróleo subia, o interesse por alternativas ao combustível fóssil crescia. Do contrário, os investimentos minguavam. O avanço das energias limpas, portanto, seguia o sobe e desce da cotação da commodity “suja”.

O cenário mudou. A queda abrupta do preço do petróleo, nesta semana, provocou pânico nos mercados financeiros. Na segunda-feira, o Ibovespa, principal índice da bolsa paulista, registrou queda de 12,7%, a maior desde 1998. Entre os produtores de energia renovável, no entanto, a situação era de absoluta tranquilidade.

“Não muda nada”, afirma Daniel Rossi, fundadora da Zeg, startup brasileira que atua na produção de biometano, combustível produzido a partir de resíduos orgânicos, como a vinhaça de cana-de-açúcar, e pode substituir o gás natural e o diesel, provenientes do petróleo. “Na verdade, vamos intensificar os investimentos”. A Zeg planeja investir 720 milhões de reais, nos próximos cinco anos.

No setor de energia eólica, o clima era o mesmo. “Numa perspectiva de curto e médio prazos, a atual crise do petróleo não deve trazer impactos diretos para o setor de energias renováveis no Brasil”, afirma Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeólica).

A previsibilidade de preços alcançada pelas energias renováveis é um dos trunfos nessa disputa com os combustíveis fósseis. Segundo Rossi, o valor do petróleo é afetado por duas variáveis: câmbio e cenário externo. As renováveis, por outro lado, são produzidas localmente e, portanto, não sofrem a mesma oscilação. “Nosso cliente sabe como o preço será reajustado e pode se planejar”, diz o empreendedor.

Adicionalmente, a competitividade das renováveis aumentou muito nos últimos anos. As fontes eólica, solar e biomassa já representam 19% da matriz elétrica brasileira. As duas primeiras têm se destacado nos últimos leilões de energia pelo preço, abaixo dos 100 reais por MWh, em linha com o oferecido pela geração hidrelétrica, a principal do país. “No Brasil, temos os melhores ventos do mundo, cuja produtividade é o dobro da média mundial, o que nos traz competitividade”, diz Elbia, da Abeeólica.

Somente uma mudança estrutural no preço do petróleo, ou seja, uma queda drástica e duradoura, poderia colocar em risco os investimentos em energias renováveis. “Isso não nos parece algo possível de acontecer”, afirma Elbia. Segundo Rossi, o atual preço do petróleo se deve a uma disputa entre grandes produtores da commodity, que deve se resolver em breve. “Não vejo esse patamar se mantendo por muito tempo”, diz ele.

Etanol mais resiliente

Nem mesmo a indústria do etanol, que sofreu com o congelamento de preços da gasolina praticado entre 2014 e 2018, no governo de Dilma Rousseff, se mostra preocupada neste momento. “Aprendemos a conviver com o petróleo, na alta e na baixa”, afirma Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açucar). “O setor sempre defendeu e trabalhou pela questão da liberdade de mercado”.

O que deve acontecer, no entanto, é um aumento da produção de açúcar nas usinas, em detrimento do etanol. “Isso já estava acontecendo, mas a tendência é que se acelere com o patamar menor de preços da gasolina”, afirma Ricardo Mussa, vice-presidente da Raízen Energia, maior produtora de etanol de cana-de-açúcar do país.

Fonte: Exame