Por Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e integrante do Comitê de Direção do Carbon Price Leadership Coalition (CPLC).
Considerada como um tema etéreo demais por quem não está envolvido nos debates a seu respeito, a precificação de carbono está no centro de uma série de mudanças em curso no meio empresarial que devem se intensificar nos próximos anos. Apesar de ainda não existir um mecanismo global de precificação de carbono, formas de valoração vêm sendo testada no mundo todo, diante da certeza de que estamos caminhando inexoravelmente para uma economia de baixo carbono. O movimento que começou em 2005 com poucos países envolvidos no tema, ganhou consistência após o Acordo de Paris em 2015, e já é realidade em 45 jurisdições nacionais e 25 subnacionais, cobrindo 25% da emissão mundial e hoje se espalha pelas redes sociais.
No mundo todo, cerca de 1500 empresas já vêm adotando um mecanismo de precificação interna, que é um preparo sobre como atuar no mercado global quando ele chegar e quanto ele vai custar para cada uma delas. A precificação voluntária permite também que recursos sejam alocados para tecnologia de baixo carbono, estimulando investimento em pesquisa e desenvolvimento. Além disso, a precificação possibilita que as companhias possam aprimorar processos de gestão de riscos financeiros relacionados às mudanças de clima, ajudando a identificar riscos e oportunidades de geração de receitas. O valor anual dessas emissões tributadas ou negociadas nos mercados regulados de carbono aumentou 6% em 2017, atingindo US$ 52 bilhões, frente a US$ 49 bilhões no ano anterior. A expectativa do relatório de tendências do Banco Mundial, é de que esse volume chegue a mais de US$ 700 bilhões.
Dessas empresas que estão se preparando e já precificam internamente o carbono, cerca de 50 estão no Brasil. Mesmo em pequeno número, o país vem tendo o melhor desempenho da indústria no preparo para este mercado entre os integrantes dos Brics, e é o que lidera hoje as expectativas globais para esse mercado, seja por ser detentor do petróleo pré-sal de um lado, seja por ter extensas florestas geradoras de crédito, de outro lado.
O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) está fortemente empenhado nesse tema. No dia 19 de junho, juntamente com o Instituto Clima e Sociedade (iCS) e com o Carbon Pricing Leadership Coalition (CPLC), do Banco Mundial, realizamos um intenso debate sobre o assunto entre lideranças internacionais, executivos de grandes empresas brasileiras e especialistas do setor. Em 2017, a Iniciativa Empresarial em Clima, que conta com participação do CEBDS, lançou a carta aberta “Setor Privado Apoia a Precificação de Carbono no Brasil”, que defende o estabelecimento de um mecanismo de precificação adequado às características da economia e ao perfil de emissões de GEE do país. Vinte e seis empresas assinaram, se comprometeram e estão levando adiante seus preparativos para entrar nesse mercado. Mas há um caminho a ser percorrido até que essa realidade se torne viável e ele depende do Governo Federal: é preciso implementar e regulamentar esse mercado no Brasil.
Ter em seu portfólio o investimento em energia renovável traz um equilíbrio para as contas da empresa
Em manchete neste jornal no mês de maio, vimos que novos investimentos na chamada economia verde, com destaque para energias renováveis têm potencial de impulsionar 24 milhões de novos postos de trabalho até 2030, segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), “Perspectivas Sociais e de Emprego no Mundo 2018”. O estudo mapeou o potencial de geração de empregos no âmbito do Acordo de Paris e é taxativo: “a ação para limitar o aquecimento global a dois graus Celsius resultará numa criação de empregos muito maior do que o necessário para compensar as perdas de seis milhões de postos de trabalho em outros setores”.
Já estamos vendo essa revolução prática acontecer entre as empresas petroleiras. Vislumbrando o consenso de que a emissão do carbono vai ter um custo cada vez maior nas próximas décadas, essas companhias estão se transformando, diversificando portfólio e até mudando de nome para abarcar um espectro mais amplo da cadeia de energia, incluindo renováveis em seu negócio. Plantas de energia solar e eólica já estão entre as aquisições das petroleiras na Europa. Entre nossas associadas, temos o exemplo da Shell, que detém 50% da Raízen, maior investimento da empresa no mundo em energia renovável.
Não é porque é simpático ao público, ou apenas porque estão preocupadas com o meio ambiente que essas empresas estão se movimentando, mas porque a precificação é um poderoso instrumento para dar agilidade e flexibilidade para que as metas do Acordo de Paris sejam cumpridas. Ter em seu portfólio o investimento em energia renovável, funciona como um hedge, traz um equilíbrio para as contas da empresa que tem eu seu core business atividades que serão precificadas. E as petroleiras estão fortemente nesse foco.
Há formas de valorar o carbono: tributos ou a criação do mercado, ou uma combinação dos dois. A primeira pode ser mais simples, mas a segunda garante a transparência necessária para fazer com que os recursos arrecadados com a precificação do carbono migrem diretamente para a energia renovável, de forma que a velha economia financie a nova, numa espécie de transição entre o ontem e o amanhã. E saber com que velocidade queremos chegar neste amanhã depende de decisões a serem tomadas agora.
Fonte: Valor Econômico