Se sair do papel, a ferrovia projetada para margear a BR-163 (Cuiabá-Santarém) pode representar a morte do transporte rodoviário de grãos de Mato Grosso. A previsão é de Dirceu Capeleto, diretor da Bergamaschi, uma das maiores transportadoras de grãos do País, que tem sede operacional em Rondonópolis e administrativa em Chapecó (SC). Com 25 anos no setor, ele está sempre buscando se antecipar aos acontecimentos. Para Capeleto, as rotas rodoviárias de longa distância tendem a desaparecer.

Gaúcho criado em Chapecó, o diretor da Bergamaschi, que possui frota de 260 veículos, vê três cenários para os próximos anos. O primeiro, que deve durar cinco anos, é muito favorável ao transporte rodoviário. “Quando os terminais de Miritituba (PA) ficarem prontos, será espetacular. Teremos um percurso médio de 1.300 km; hoje, são 800 km”, diz Capeleto, referindo-se à hidrovia do Rio Tapajós. Em vez de seguir para os terminais ferroviários da ALL em Alto Araguaia (MT), a soja terá que ser levada para o porto fluvial do distrito de Itaituba (PA).

Após cinco anos, segundo Capeleto, um novo cenário virá com a conclusão da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO). Na primeira etapa, a obra, já autorizada pelo governo, ligará Campinorte (GO) a Lucas do Rio Verde (MT), numa distância de 1.040 km. Os grãos poderão sair de Mato Grosso e, por conexão com a Ferrovia Norte-Sul em Campinorte, chegar aos portos do Maranhão. “Quando estiver pronta, a FICO vai diminuir a necessidade de transporte rodoviário”, afirma o diretor.

Ele conta, no entanto, com o desenvolvimento de uma nova região agrícola, no Noroeste de Mato Grosso, onde as pastagens começam a dar lugar aos grãos. “De lá, a produção terá de ser retirada de caminhão, seja para o Pará ou para a própria FICO”, ressalta.

Já o terceiro cenário, a ferrovia ao lado da BR-163, vai reduzir muito o serviço hoje realizado pelo transporte rodoviário, na visão do empresário. “Um grupo chinês está se propondo a fazer esta ferrovia de Lucas do Rio Verde a Miritituba”, informa.

Ele ressalta que este projeto é o sonho dos produtores rurais. “Será mais rentável produzir no Norte de Mato Grosso do que em Cascavel ou Maringá (PR).”

Restarão as distâncias curtas para os caminhões, mas estas não representam uma grande rentabilidade para o transporte rodoviário, segundo Capeleto. “O que toma a frota são as grandes distâncias. Veja o que acontece no Paraná. O movimento de caminhões só se mantém durante a colheita. Depois, eles vêm transportar aqui em Mato Grosso e vira esse ‘vuco-vuco’.”

Para o empresário, os transportadores precisam deixar as barbas de molho. “Vendo o funil fechar daqui a três, quatro anos, eles podem tirar o pé do acelerador nos investimentos, que hoje estão se pagando ao longo de 10 anos.”

De acordo com Capeleto, o segmento empobreceu de 2008 a meados de 2012, período em que os fretes ficaram congelados. “Houve uma decadência das empresas, as frotas envelheceram. E com a agravante da depreciação acelerada dos veículos. Antes, um caminhão com cinco anos de uso valia 70% do novo; agora, vale menos de 50%.”

Segundo ele, as transformações de bitrens sete-eixos para nove-eixos foram vilãs nesse processo. “O bitrenzão aumentou a capacidade de carga de 37 para 50 toneladas.” Mas hoje essas reformas de carretas estão proibidas na maioria dos Estados.

Em julho do ano passado, de acordo com ele, o setor começou a reagir. “Fizemos um trabalho gigantesco em Mato Grosso e reajustamos o frete, numa tacada, em 40%, para sair do sufoco e recuperar a capacidade de investimento”, explica.

Para o diretor, não foi a Lei do Descanso (12.619) que fez faltar caminhões, mas o fim das transformações dos bitrens em bitrenzões. Na visão dele, a lei é benéfica, mas tem um “excesso de rigor” que não existe nem nos países ricos. “Houve um espírito esquerdista na elaboração da lei, por parte do Ministério Público do Trabalho. De modo geral, os procuradores são pessoas jovens, com uma linha ideológica. Eles têm um discurso afinado e convincente, melhor do que o nosso”, analisa.

Segundo o empresário, a remuneração média do motorista subiu em torno de 25% de um ano para cá. “É uma das profissões mais bem remuneradas no mercado, se pensarmos que a média salarial dos empregados, no País, não chega a R$ 1.500. A do caminhoneiro é bem maior.”

A preocupação das empresas de transporte, de acordo com o diretor, não é com o peso dos salários, mas sim com a falta de interessados na profissão. “Precisamos motivar a juventude para entrar na profissão, fato que não está acontecendo”, declara.

Capeleto gostou da notícia de que o trecho Nova Mutum-Rondonópolis (BRs 163 e 364) vai, finalmente, ser duplicado. “Depois de sete, oito anos de luta, houve a última etapa da licitação do trecho Rondonópolis-Jaciara”, informa. As licitações de outros trechos devem ser anunciadas em breve.