“No futuro, não existirão acidentes de trânsito”. A frase, do diretor técnico do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), Paulo Roberto Guimarães, causa impacto. Quem nunca sonhou com um mundo sem as tragédias relacionadas ao tema, que povoam os noticiários atuais? Deparar-se com uma perspectiva tão positiva para um futuro relativamente próximo parece mesmo ficção científica. Mas essa realidade é perfeitamente plausível, de acordo com ele e com outros especialistas ouvidos pela Perkons. É algo como as “maluquices” previstas para o dia 21 de outubro de 2015 no filme “De Volta para o Futuro” (Universal Pictures, 1985), de Robert Zemeckis, que levou gerações inteiras a tentarem adivinhar como seriam a medicina, a segurança, as roupas, os costumes e o trânsito décadas à frente. Pois bem… o futuro chegou. E muitas das previsões tidas como de outro mundo pela sociedade da época, hoje fazem parte do nosso cotidiano, como sensores de movimento, drones, biometria e até mesmo os populares tablets.

O otimismo de Guimarães, que é engenheiro civil, se deve exatamente à confiança no avanço da tecnologia. “O fator humano é responsável por mais de 90% dos acidentes e, no futuro, esse risco será totalmente eliminado com a utilização de veículos autônomos, que serão capazes de se deslocar sem a necessidade de serem guiados por pessoas”, explica, referindo-se a uma tecnologia já existente, mas ainda não massificada. A popularização desse meio de transporte será testemunhada por mais de 11 bilhões de pessoas, segundo projeção da ONU para a população mundial até o ano de 2100. Só até 2030 já seremos 8,5 bilhões e, até 2050, 9,7 bilhões.

Ele prevê ainda que o funcionamento do transporte coletivo em modelo de integração entre vários modos de transporte será uma realidade difundida, utilizando sistemas inteligentes de captação de demanda e roteirização. “Os veículos utilizarão combustíveis limpos e renováveis, e integrarão a paisagem urbana de forma harmônica”, acrescenta.

Esta, aliás, é uma questão emergencial no mundo que conhecemos hoje: estamos em pleno burburinho, repercutindo a COP-21, e os principais cientistas que se dedicam ao estudo das mudanças climáticas já bateram o martelo: é verdade que diminuímos cerca de 6 gigatoneladas a emissão anual de gás carbônico, mas a meta é a diminuição de 12 a 14 gigatoneladas por ano. Isso para que o aumento da temperatura média do planeta não ultrapasse 2°C até 2100. Os dados são do Emissions Gap Report 2015, divulgado no último dia 4 de dezembro pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Por meio de nota, o Ministério dos Transportes avaliou a questão na mesma direção. “As tecnologias atuais apontam para projetos baseados em veículos altamente eficientes e com índices de emissão de poluentes quase desprezíveis”. A boa notícia é que, de acordo com a doutora em Engenharia de Transportes Márcia Valle Real, o Brasil tem vantagens para a adoção de fontes renováveis de energia, como etanol, biodiesel, biogás e eletricidade – sendo essa última advinda predominantemente de fonte solar. “Acredito que teremos a oferta de um mix de combustíveis mais equilibrado no mundo”, opina ela, que é professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Márcia ainda vê espaço para os derivados do petróleo, mas – para diminuir a vulnerabilidade frente à commodity – prevê maior investimento em outras fontes fósseis, como o gás natural.

Descentralizar vai ser moda

A solução de vários problemas enfrentados hoje pode estar em dois tipos de descentralização: a mudança de foco do veículo particular para o coletivo, e a estruturação de bairros, diminuindo a necessidade de deslocamentos. De acordo com Márcia Valle Real, a mobilidade se concentrará nos transportes coletivos integrados às telecomunicações. “Informações sobre horários e disponibilidade serão acessíveis nos celulares, de forma a minimizar o tempo de viagem; isso já é realidade em algumas cidades do mundo”, afirma.

Segundo o Ministério dos Transportes, os governos tendem a priorizar mais os transportes de massa no futuro, uma vez que o individual, com veículos médios, deverá ficar cada vez mais caro e ambientalmente insustentável. “Estatísticas mostram que um veículo médio consome cerca de 95% da energia para se transportar e 5% para transportar o passageiro”, informa o órgão.

E é preciso levar em conta que teremos muito mais veículos automotores circulando no futuro, o que nos leva à necessidade de termos uma melhor eficiência energética e com fontes renováveis como protagonistas. Segundo estimativa de 2015 do Banco Mundial, cerca de 70% das emissões de CO2 do mundo são provenientes das áreas urbanas, e o relatório ‘Perspectivas da Urbanização Mundial’, da ONU, prospecta que a população urbana do globo saltará dos 54% de hoje para 66% até 2050. Então, todo cuidado com o aumento das emissões de gases de efeito estufa é essencial.

Voltando ao número de veículos – que respondem, junto ao setor industrial, por boa parte das emissões desses gases – teremos acréscimo de praticamente 400% só no Brasil, passando de uma frota de 36 milhões de veículos em 2013 para 130 milhões em 2050. A projeção faz parte do Plano Nacional de Energia 2050, de autoria da Empresa de Pesquisa Energética.

A respeito de como será o planejamento urbano no futuro, Paulo Roberto Guimarães afirma que haverá “diversas centralidades, onde cada pedaço da cidade contará com emprego, ensino, serviços e moradia”. “Estas centralidades reduzirão drasticamente a necessidade de deslocamentos diários de média e longa distâncias, proporcionando às pessoas a possibilidade de realizarem suas atividades cotidianas a pé ou de bicicleta”, detalha o engenheiro.

Nem tudo são maravilhas modernas

É claro que as previsões não são apenas de coisas boas. A transição entre o mundo de hoje e o horizonte tecnológico que vemos a frente não acontecerá na mesma velocidade em todos os países. É o que afirma David Duarte Lima, presidente do Instituto de Segurança do Trânsito e professor da Universidade de Brasília (UnB). Ele defende que as desigualdades entre os países e entre as classes sociais criará um tráfego híbrido: muita tecnologia trafegando lado a lado com veículos de pouca tecnologia. “Isso pode complicar ainda mais o trânsito, porque a automatização não vai ser simples: a sinalização é incompleta, temos pedestres andando na rua, animais na pista e pavimentação inadequada. A infraestrutura vai melhorar, mas não na velocidade exigida”, finaliza.

Isto já era esperado. De acordo com o World Report on Road Traffic Injury Prevention (Relatório Mundial sobre Prevenção dos Traumas Causados pelo Trânsito, em tradução livre), também da ONU, é previsto que – até 2020 e em relação ao 2000 – as mortes causadas por acidentes de trânsito caiam 27% nos países ricos e, nos emergentes, subam 83%, levando a média mundial para um aumento de 67%. Estes dados, que alarmam principalmente sobre condições desiguais entre os países no enfrentamento do problema, são um dos estímulos que a comunidade internacional tem para seguir com ações, inclusive ajudando os países mais pobres a atingir as metas dos cinco pilares da Década de Ação pela Segurança no Trânsito: gestão da segurança no trânsito; vias e mobilidade mais seguras; veículos mais seguros; usuários de vias de trânsito mais seguros; resposta após os acidentes.

O futuro é agora

Combustíveis: que tal trafegar com seu veículo elétrico e abastecer em um dos 300 pontos de recarga públicos? Em Barcelona isso já é realidade. Com o projeto Live, o motorista encontra estes locais nos mais diversos bairros da cidade. O transporte público já adotou a ideia de trafegar utilizando energia limpa: a frota de ônibus é híbrida e utiliza gás natural comprimido, e boa parte dos táxis são movidos por energia elétrica.

Automóveis: GPS, wi-fi, bluetooth e comando de voz já fazem parte da configuração de fábrica de diversas montadoras de carros. Mas que tal um concierge de bordo? Assim como no saguão de um hotel, o sistema instalado no veículo reserva hotéis, indica restaurantes e postos de gasolina próximos da localização do carro, oferece tradução e até solicita reboque. Essa já é uma realidade de 2015. Outra novidade que já chegou ao Brasil é o airbag para pedestres. Localizado no capô, o utensílio minimiza o choque do pedestre com o carro em colisões frontais.

Mobilidade: Que tal ar-condicionado nas passarelas em dias de calor e escadas e esteiras rolantes para subir as ladeiras? Em Hong Kong, eleita em 2012 o melhor lugar do mundo para se viver segundo a revista The Economist, isso já é uma realidade e tem como objetivo estimular que a população caminhe. Eles têm a maior escada rolante do mundo, a Mid Levels Escalator, com 800 metros de extensão. Com ela o pedestre sobe 135 metros em 20 minutos, de graça e fazendo quase nenhum esforço.