No caminho de Bento Gonçalves para Porto Alegre no fim de semana, perto de Novo Hamburgo um bloqueio de caminhoneiros pedia preço tabelado para o diesel e intervenção militar já. As reivindicações não poderiam ser mais retrógradas, sobretudo em comparação com a Hamburgo original, na Alemanha.
Nesta quinta-feira (31) 214 mil veículos movidos a esse combustível serão banidos de duas avenidas importantes da cidade portuária alemã. São caminhões, ônibus e carros a diesel mais velhos, os 2/3 da frota desse tipo na cidade que poluem o ar acima de padrões mais exigentes.
A fração diesel extraída do petróleo é um combustível muito eficiente, que não exige a produção de faíscas por velas para entrar em combustão, principal diferença entre motores do ciclo Diesel e Otto (gasolina e etanol).
A queima do diesel, no entanto, tem a desvantagem de emitir grande quantidade de compostos de nitrogênio (NOx) e enxofre (SOx), que causam danos à saúde humana e ambiental. No centro dos problemas está o material particulado fino (PM2,5), que penetra fundo em nossos pulmões.
A União Europeia fixou um limite de 40 microgramas de enxofre por metro cúbico no ar das cidades, e Hamburgo está entre as 80 cidades alemãs que não conseguem cumprir tal padrão. Parece provável que outros municípios do país e do continente a sigam nas restrições ao diesel.
O assunto tornou-se particularmente sensível depois do chamado Dieselgate, escândalo de fraudes na medição das emissões de motores que pôs a Volkswagen na berlinda e logo engolfou a indústria automobilística na Europa e nos Estados Unidos.
Só a VW está desembolsando US$ 25 bilhões em multas nos EUA. Um engenheiro seu naquele país, Oliver Schmidt, foi sentenciado a sete anos de prisão pelo papel no engodo que fazia motores testados em bancada produzirem menos emissões do que nas condições de rodagem.
A Toyota anunciou que vai abandonar neste ano o mercado de motores a diesel na Europa. A Nissan divulgou que vai pelo mesmo caminho nos próximos anos.
Não é só a poluição do ar que condena o futuro do diesel. Assim como outros combustíveis fósseis (carvão, gasolina, gás natural) cuja queima produz gases do efeito estufa, ele também está na mira das metas para redução de emissões fixadas pelo Acordo de Paris (2015) contra o aquecimento global.
A saída para combater uma perigosa mudança do clima, no médio e longo prazos, está na eletrificação da frota, que avança a passos rápidos na Europa. Enquanto as vendas de carros a diesel caíam 17% no primeiro trimestre deste ano no continente, as de veículos elétricos aumentaram 25%.
Estados Unidos e Brasil, felizmente, nunca aderiram ao frenesi europeu com carros de passeio a diesel (à parte o fascínio com pseudo-utilitários de luxo, os SUVs), agora em queda livre. Mas ambos se tornaram dependentes dos caminhões.
Cerca de dois terços das cargas entre EUA, México e Canadá circulam por esse modal. Uma proporção similar à do Brasil, onde a Confederação Nacional de Transportes (CNT) estima que 60% do movimento se faz por rodovias.
Deu no que deu. Filhos e netos de caminhoneiros viciados em diesel, no entanto, terão muito mais com que se preocupar, no futuro, além do preço na bomba.
É repórter especial da Folha, autor dos livros ‘Folha Explica Darwin’ (Publifolha) e ‘Ciência – Use com Cuidado’ (Unicamp).
Fonte: Folha de S.Paulo