A reciclagem de papel, garrafas pet e alumínio são atividades bastante conhecidas no Brasil. O que poucas pessoas imaginam é que existe uma indústria gigantesca de reciclagem animal. Esse mercado processa 12,4 milhões de toneladas de matéria crua, produz 5,3 milhões de toneladas de farinhas e gorduras e movimenta R$ 7,9 bilhões por ano no país. Os produtos da reciclagem animal são ingredientes para sabonete, detergente, cosméticos, pneus, ração animal, fertilizantes, biodiesel e uma infinidade de itens usados diariamente pela população. A atividade é responsável pela geração de 55 mil empregos diretos no Brasil.

A reciclagem de resíduos animais é fundamental na agroindústria. Ela representa o começo e o fim da cadeia da carne, transformando em farinhas e gorduras de origem animal tudo o que não é utilizado como alimento. A atividade contribui fortemente para o saneamento do meio ambiente, reciclando carcaças, ossos, sangue e penas. O volume de coprodutos de origem animal reciclados anualmente pela indústria é suficiente para preencher todo o espaço livre de dois estádios do Maracanã.

O processo é sustentável e limpo, ajuda a diminuir os impactos ambientais, evita a proliferação de doenças e permite o controle de bactérias e vírus. “O Brasil é um grande produtor de carne e gera um grande volume de partes não consumidas pelo homem. Se essas partes fossem descartadas de forma inapropriada, teríamos um grande passivo ambiental, além da proliferação de algumas doenças. O setor é o responsável pela sustentabilidade da cadeia produtiva da carne”, explica o presidente da Associação Brasileira de Reciclagem Animal (Abra), Clênio Antônio Gonçalves.

A atividade proporciona também a fixação de gases de efeito estufa, contribuindo para a redução da emissão de carbono da pecuária brasileira. Somente a decomposição da carcaça de uma vaca libera 1,2 toneladas de gás carbônico, em média. A reciclagem evita o apodrecimento de carcaças e resíduos animais a céu aberto. “A gordura animal reciclada é a fonte de energia que emite menos gases de efeito estufa por megajaule de caloria armazenada segundo a Diretiva 30/2009 da Comunidade Europeia”, informa a Abra.

A Abra luta pelo reconhecimento do setor como uma atividade de utilidade pública. Em outros países, como o Canadá e os Estados Unidos, há uma compreensão sobre a importância do trabalho realizado pelas entidades que desenvolvem a reciclagem animal e sua ligação com a sustentabilidade ambiental, e elas recebem até incentivos do governo. “A reciclagem animal transforma algo com potencial poluidor em produtos com valor agregado. Também consideramos ser necessário esse reconhecimento, tanto pela sociedade quanto pelo Poder Público”, afirma o presidente da Abra.

O Brasil ocupa a 12ª posição nas exportações de produtores de farinhas e gorduras de origem animal. As farinhas de carne e ossos, utilizadas para a fabricação de rações para animais, representam 86% das exportações. O principal destino é o Vietnã, seguido de Bangladesh e Chile. Juntos, os três países representam quase 70% do volume exportado pelo Brasil. Mesmo com as vantagens da Tarifa Externa Comum (TEC) e da proximidade de fronteiras, ainda não é significativa a participação dos demais países do Mercosul nas exportações do setor.

Processo

As matérias-primas da indústria de reciclagem animal são ossos, penas, sangue, vísceras, aparas e demais partes que não são consumidas pela população. Essa matéria-prima é sempre originária de estabelecimentos com fiscalização dos órgãos de inspeção, seja ele municipal, estadual ou federal. Além do rígido padrão de fiscalização pelo governo, esses coprodutos são rastreados, da origem ao destino.

O processo de reciclagem animal consiste na utilização de equipamentos de alto desempenho que “cozinham” carcaças e resíduos animais a temperaturas elevadas, por tempo determinado. As gorduras e sebos, que ficam boiando, são utilizadas como matéria-prima nas indústrias de higiene, cosmética, farmacêutica, limpeza e biodiesel. Já as proteínas pesadas são processadas, transformadas em farinhas. Ricas em proteína, cálcio e fósforo, essa farinha é adicionada às rações para aves, peixes, suínos e pets.

O Brasil possui 334 indústrias que se dedicam à atividade, de acordo com a ABRA. Desse total, 233 são graxarias, ou seja, indústrias associadas aos frigoríficos que reaproveitam os subprodutos de origem animal, e 111 são indústrias independentes, que não estão ligadas a frigoríficos e abatedouros, de acordo com o Sistema de Inspeção Federal (SIF), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). “O setor tem expectativas de crescimento para os próximos anos diante da retomada do consumo brasileiro de proteína animal e consequentemente dos abates”, analisa Gonçalves.

Sustentabilidade

Na zona rural de Trindade, município do estado de Goiás, com pouco mais de 100 mil habitantes, está localizada a Goiás Rendering, a maior empresa de reciclagem animal da região Centro-Oeste. A indústria processa, diariamente, 360 toneladas de subprodutos animais não comestíveis. Cerca de 90% dos resíduos animais são comprados de frigoríficos e o restante vem de pequenos abatedouros certificados da região, mas a empresa conta com uma frota de caminhões específica para a coleta dos subprodutos. A indústria emprega 127 pessoas.

A Goiás Rendering tem uma das estruturas mais modernas do país. A planta foi desenhada de forma a garantir a produção automatizada e evitar a manipulação humana nos diversos processos, do desembarque dos resíduos animais até a produção da farinha e sebo. O laboratório de qualidade é responsável pelo controle dos subprodutos, da entrada até a saída, já como matéria-prima, além da certificação. Os produtos são comercializados em sacas de polipropileno de 40 quilos, em embalagens de polipropileno de 1,5 mil quilos e a granel.

Os processos da companhia garantem qualidade e sanidade, além de rastreabilidade, na origem e no destino, o que permite rigor no acompanhamento dos produtos.“Sabemos de onde vêm os subprodutos e qual é a destinação de cada lote de produto”, explica o gerente regional da empresa, Nelson Costa.

Inspeção

O Distrito Federal tem nove frigoríficos ativos registrados na Diretoria de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal e Animal (Dipova), em atividades. Esses estabelecimentos trabalham com abates de aves, pescados, bovídeos (ovelhas, bois, cabras) e suínos. De janeiro a outubro de 2017, foram abatidos 136.114 animais no DF. No ano passado, os abates totalizaram 267.951 animais.

A Dipova é responsável pela inspeção de estabelecimentos elaboradores e manipuladores de produtos de origem vegetal e animal. O órgão da secretaria de Agricultura realiza uma inspeção permanente em abatedouros. Esses estabelecimentos, por suas especificidades de exigência de controle e exigência legal, devem contar com a presença do fiscal da inspeção durante todo o processo de abate. O profissional habilitado para a inspeção em abatedouro é médico veterinário. Além de verificar e acompanhar todo o processo de abate, inclusive com relação ao bem-estar animal e adoção de métodos de abate humanitário, ele é responsável pela realização do exame ante mortem e post mortem.

Na inspeção ante mortem, o médico veterinário verifica as condições dos animais, visando identificar lesões ou enfermidades, e realiza seleção e julgamento que determinarão a proibição, prioridade ou condições diferenciadas de abate. A prática visa também identificar a sanidade do rebanho, identificando doenças que podem ter repercussão financeira, como a febre aftosa. A inspeção post mortem funciona na forma de linhas de inspeção, com a verificação de carcaças, vísceras e demais subprodutos do abate, visando identificar, e descartar, com a correta destinação, possíveis lesões que podem acarretar risco à saúde dos consumidores e das pessoas que trabalham no abate e na manipulação de carcaças nos abatedouros.

“A inspeção nos frigoríficos é de vital importância para a saúde pública. Além do controle de todo o processo, o trabalho permite a detecção e descarte de lesões nos produtos do abate que trariam risco à saúde dos consumidores”, explica o diretor do Dipova, Athaualpa Nazareth Costa.

Os subprodutos considerados despojos do abate são enviados para as graxarias, obedecendo as normas vigentes, com exceção dos Materiais Especificados de Risco (MER). “Esses materiais, considerados de risco, não podem ser destinados às graxarias. Existe uma legislação federal específica para eles, tendo como destinação a incineração dentro do próprio abatedouro”, explica Costa.