Mecanização agrícola, aperfeiçoamento industrial, interiorização e desenvolvimento econômico de pequenas cidades, falta de valorização, incentivo e políticas públicas para o setor, avanço para o B6 e B7, déficit e aumento na produção de açúcar, falta de logística, novas variedades, investimentos nas áreas ambiental e social. Esses são alguns dos assuntos que marcaram o setor sucroenergético nos últimos oito anos, amplamente debatidos nas páginas do Canal – Jornal da Bioenergia. O veículo, especializado em bioenergia, chega ao 8º ano em agosto deste ano e é considerado hoje um dos principais jornais do segmento. Para comemorar os 8 anos, o Canal traz entrevistas com renomados especialistas do setor sucroenergético para mostrar quais foram os principais avanços nesses últimos anos e o que podemos esperar para os próximos. Confira:

SÉRGIO BELTRÃO – Diretor executivo da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio)

Muitas mudanças ocorreram ocorreram no setor de produção de etanol e açúcar nos últimos oito anos. Mas e na área de biodiesel?
O Brasil atingiu seis anos de adicionamento obrigatório de biodiesel ao diesel fóssil. O uso do biodiesel em todo o território nacional, atualmente na proporção de 6% (B6) na mistura com o diesel fóssil, está consolidado pela excelência dos parâmetros de qualidade e pelos efeitos significativos da geração de empregos em toda a cadeia produtiva, especialmente a inclusão anual de cerca de 100 mil agricultores no fornecimento de matérias-primas. Os benefícios ambientais e de saúde pública são inegáveis, resultando na diminuição da emissão de poluentes, além do impacto positivo na Balança Comercial pela redução de parte da importação do diesel fóssil. Com a previsão do uso do B7, a partir de novembro deste ano, o Brasil caminha para ser o 2º produtor mundial.

Como foi a evolução do Biodiesel no Brasil?
A conquista do avanço para o B6 e para o B7 foi resultado de grande esforço do setor nos últimos 4 anos em demonstrar ao governo, aos parlamentares e à sociedade como um todo as externalidades socieconômicas e ambientais que o biodiesel trouxe na primeira fase do PNPB 2005-2013 e a potencialização dos benefícios pelo avanço da mistura numa 2ª fase do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel – PNPB. Já a Medida Provisória 647/2014 estabeleceu o B6 a partir de julho de 2014 e o B7 a partir de novembro de 2014. Os principais motivos foram a maturidade de toda a cadeia produtiva e das condições inigualáveis que o Brasil possui em termos climáticos, pujança agrícola e biodiversidade. Investimentos realizados pelos empresários que acreditaram no programa desde o início e, também, da segurança em relação à expressiva safra brasileira de grãos. Destacamos, ainda, que o preço médio dos últimos leilões, na grande maioria dos Estados brasileiros, atingiu patamar inferior ao óleo diesel, o qual o Brasil importa entre 15% e 20% da demanda anual. A trajetória declinante dos custos do biodiesel aproximando-o aos custos da importação de diesel, ou até inferiores, permitem elevar as faixas de adicionamento obrigatório sem impactos sobre a inflação.

E em relação à mistura do biodiesel ao diesel? As medidas adotadas no País estiveram dentro das expectativas do mercado?
O Brasil possui 60 unidades produtoras de biodiesel distribuídas pelas 5 regiões com uma capacidade instalada de produção próxima a 8 bilhões de litros/ano, ante um consumo estagnado da ordem de 3 bilhões de litros/ano (quando estávamos no B5) para atendimento do único mercado existente – a mistura obrigatória. O acentuado descolamento entre oferta e demanda resultou em mais de 60% de ociosidade na capacidade industrial e mesmo com o B7, o setor terminará o ano com mais de 50% de ociosidade. Isso não bom para nenhum setor, ainda mais um setor relativamente novo.

O que podemos destacar em relação à matéria-prima para a produção de biodiesel no Brasil? E na parte industrial?
Na parte industrial, o Brasil está no estado da arte. Além das tecnologias empregadas em todo mundo, temos tecnologia própria, muitas vezes desenvolvidas com apoio de universidades. Em relação às matérias-primas, o sebo bovino tem se destacado desde o início do PNPB como a segunda opção mais utilizada na produção de biodiesel. Em primeiro lugar está a soja, com 74% e o sebo com 20%, óleo de algodão com 2%, óleo de fritura com 1% e outros (canola, palma, gordura de frango, gordura de porco, óleo de nabo-forrageiro) com 3%. No caso do sebo bovino a produção de biodiesel está contribuindo, além dos mercados tradicionais como o de sabão e cosméticos, para uma nova destinação sustentável de parte do volume de sebo, um subproduto da pecuária de corte que não conseguia colocação integral no mercado e acabava se transformando num passivo ambiental. Desde o início do PNPB foram incorporados: sebo bovino e suíno (banhas), avícola (gorduras diferentes de abatedouros de aves). Essas matérias-primas, antes do advento do programa, eram, em grande parte, descartadas de forma inadequada no meio ambiente, poluindo cursos d’água.

Existe, então, um leque diversificado de matérias-primas.
O Brasil vem utilizando cada vez mais as áreas já antropizadas por pastagens, como no caso da palma. Foram zoneados mais de 30 milhões de hectares aptos ao cultivo, especialmente no Pará, o que permitirá, ao longo do tempo, o aumento gradual da palma e outras oleaginosas, ocupando o espaço da soja e aproveitando as aptidões regionais diante da inigualável biodiversidade brasileira. Projetos em curso pelas empresas produtoras de biodiesel e da Vale já alcançam cerca de 200 mil hectares, o que significa dobrar a produção nacional atual. O surgimento do mercado de biodiesel proporcionou um uso nobre para o óleo residual (fritura). Com a agregação de valor incentivou-se a coleta e distribuição dessa fonte para a produção de biodiesel, fazendo com que atualmente ela represente cerca de 1% de todo o biodiesel produzido em território nacional, contribuindo para eliminar outras formas de descarte que contaminavam o meio ambiente, em especial as águas. A produção de biodiesel a partir de óleo de fritura usado cresceu de 17,8 milhões de litros em 2012 para 28 milhões de litros em 2013, uma elevação de 60% no período.

E em políticas públicas, houve avanços? Por quê?
Anualmente, o PNPB beneficia cerca de 100 mil agricultores familiares que fornecem matérias-primas para a produção desse combustível sustentável. Uma parceria inédita no mundo em que as indústrias de biodiesel asseguram capacitação e assistência técnica resultando em efetiva inclusão produtiva com geração de renda numa cadeia agroindustrial exigente em escala, tecnologia e eficiência produtiva. Somente em 2013 foram adquiridos R$ 2,9 bilhões em matérias-primas da agricultura familiar, isso representa uma receita bruta anual superior a R$ 35 mil por família. Sempre foi desejo da Ubrabio aprofundar discussões que contribuam efetivamente com a evolução dos arranjos produtivos coordenados pelo MDA, por intermédio dos quais possibilitem a eliminação de gargalos e potencializem ações em prol, especialmente, da agricultura familiar das regiões Norte e Nordeste. A Ubrabio sugeriu e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) acolheu a proposta de criação de fórum de discussões com a participação de atores públicos, privados, academia e representantes dos agricultores familiares na identificação e no emprego de ações estruturantes que potencializem a variada gama de benefícios do PNPB, especialmente no desenvolvimento de novas cadeias de oleaginosas com incremento da inclusão produtiva, funcionando como vetor da redução da pobreza extrema no campo e contribuindo para mitigação das disparidades regionais. Isso permitirá a evolução dos arranjos produtivos desenvolvidos pelo MDA em conceber ações estratégicas com visão microrregional para eliminar os gargalos já detectados e acompanhar e retroalimentar ações continuamente.

Avaliando esse cenário, o que esperar para os próximos anos?
O aumento da produção de biodiesel representa agregação de valor com impactos positivos no PIB. Os reflexos ambientais e de saúde pública com o uso do combustível renovável são incontestáveis, assim como a inclusão produtiva da agricultura familiar no fornecimento de matérias-primas será ampliada, bem como a geração de emprego e renda e a oferta interna de farelo. A ociosidade da indústria de processamento de oleaginosas atualmente é próxima a 40%, considerando as unidades ativas e aquelas que estão paralisadas. Portanto, a ampliação do uso do biodiesel vai estimular o processamento interno de soja (agregando valor ao grão) para destinar mais óleo para a produção desse combustível sustentável. Isso só trará benefícios ao País na medida em que reduzirá o dispêndio com a importação de diesel e aumentará a receita com a exportação de farelo, modificando a realidade atual de exportação predominante de grãos in natura para países como a China, que os beneficiam internamente, gerando o óleo e o farelo. Com isso, o Brasil, líder mundial na exportação de grãos, deixará de ser um exportador de empregos e o setor de esmagamento de oleaginosas se tornará menos ocioso.

É um segmento que impacta outros setores?
O virtuosismo do uso do biodiesel produz efeitos em cascata com repercussão em outros setores da economia nacional, especialmente na produção de alimentos, na medida em que tem contribuído com o aumento da oferta interna do principal produto do Complexo Soja – o farelo, proteína indispensável na composição de ração animal. Estudos técnicos atestam que a substituição do diesel fóssil pelo biodiesel reduz as emissões de CO2 em 70%. A melhoria da qualidade do ar trazida pelo biodiesel se dá pela redução das emissões de diversos poluentes presentes no diesel, extremamente nocivos à saúde, inclusive os cancerígenos, e que também provocam o efeito estufa. A retomada do crescimento do PNPB (fase 2) permitiria a interrupção da estagnação dos avanços até 2010 (PNPB fase 1) e o aproveitamento dos potenciais produtivos latentes como terras férteis, água, insolação, variedades genômicas, mão de obra, conhecimento e modelos produtivos. O aparecimento de um mercado de alocação das produções possíveis transforma, em curto espaço de tempo, esses potenciais em produção incremental nas mais diferentes regiões viáveis, gerando os efeitos do desenvolvimento em cadeias.

E em relação aos aspectos econômicos, quais os benefícios?
As regiões menos favorecidas são as que apresentaram maior crescimento, acima do crescimento médio do PIB do País, crescimento dos empregos, da renda, dos investimentos, gerando receitas tributárias extraordinárias não apenas para os Estados como, também, para o Tesouro Nacional. Além da progressão da mistura obrigatória em nível nacional, defendemos o uso do B20 Metropolitano no transporte público nas cidades com mais de 500 mil habitantes. Enxergamos também a possibilidade de utilização facultativa pelos distribuidores de combustíveis em regiões específicas ou unidades da federação no uso de misturas superiores que denominamos B+, o que se apoia na otimização da configuração geográfica da produção de diesel em refinarias, inclusive das unidades em construção, situadas predominantemente no litoral do País. De outra parte, as unidades de produção de biodiesel situadas no interior, com excedentes para o suprimento das áreas litorâneas, ou seja, fretes para suprimento de diesel maior e custo do biodiesel local menor, especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste. Mas o conceito estende-se por todo o território nacional. Essas regiões podem ser identificadas com periodicidade pelos preços efetivos, determinando seus limites geográficos, regulamentando um teor maior de biodiesel de acordo com a equação do custo logístico em relação ao diesel.

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