Mesmo sendo o único Estado com um programa próprio, produção e rendimento da mamona caíram

Ondas de calor, longos períodos de estiagem, desertificação, ciclones em áreas incomuns. Estes e outros fenômenos relacionados ao aumento da emissão de gases poluentes na atmosfera, principalmente, dos derivados da queima de combustíveis fósseis (gasolina, diesel, etc.), passaram, nas últimas décadas, a preocupar de forma mais intensa a humanidade, que tem colocado a questão do desenvolvimento sustentável no centro das discussões mundiais.

Assim, a substituição dos combustíveis fósseis por outros menos poluentes passou a ser uma das principais metas globais, levando diversos países a começaram a apresentar, a partir da década de 1990, significativas ações e avanços na produção e uso de biodiesel.

Foi nesse contexto que o Brasil decidiu ampliar seus investimentos na produção de biocombustíveis, criando, em 2004, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). Além da questão ambiental, o governo federal incluiu no programa aspectos econômicos e sociais, incentivando os agricultores familiares a produzirem, de forma sustentável, matéria prima para geração de biodiesel, a fim de promover a inclusão social e o desenvolvimento regional.

Seguindo essa tendência, o Ceará criou, em 2007, o seu próprio programa de biodiesel, por meio do qual passou a estimular a produção de oleaginosas, sobretudo da mamona, como matéria prima para a fabricação do combustível. À época, a Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado destacou como objetivo do programa “fortalecer o negócio da agricultura familiar, observando os princípios agroecológicos e do mercado justo e solidário, com a exploração de culturas oleaginosas, garantindo a incorporação de valor agregado à produção em pequenas agroindústrias comunitárias e a implantação de uma nova matriz energética no Estado”.

Dessa forma, além de incentivos financeiros, o programa cearense passou a fornecer, gratuitamente, ao agricultor familiar sementes selecionadas, assistência técnica, preço mínimo para o produto e garantia de compra total da safra, por meio da assinatura de um Termo de Adesão para a Comercialização da produção com a Petrobras ou com a Brasil Ecodiesel.

Também foram garantidos recursos para o custeio do plantio. No primeiro ano do Programa, por exemplo, aproximadamente R$ 57 milhões foram disponibilizados como crédito ao agricultor familiar por meio do Pronaf (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar), operado pelo Banco do Nordeste e pelo Banco do Brasil.

Produtividade

Desde então, milhões de reais foram aplicados anualmente no Programa de Biodiesel do Ceará, único Estado do País a possuir uma iniciativa própria na área. No entanto, isso não foi suficiente para que a iniciativa atingisse plenamente seus objetivos. A despeito de todos os investimentos, a produtividade da mamona no Estado caiu, alcançando um nível inferior à registrada na década de 1970. A rentabilidade da produção da oleaginosa também decresceu após a implantação do Programa.

A produção do biodiesel a partir da mamona passa pelo plantio da oleaginosa, depois pela colheita e por fim pela extração do óleo que vai dar origem ao produto fotos: Thiago Gaspar e Honório Barbosa

“Em que pesem os esforços e os significativos recursos orçamentários alocados ao Programa no Ceará, o objetivo central não foi alcançado até o momento, tendo em vista que a produção e o rendimento da cultura da mamona não responderam ao que foi planejado”, avalia o economista Demartone Coelho Botelho, que representa a Universidade Federal do Ceará (UFC) no Grupo de Coordenação de Estatísticas Agropecuárias (Gcea), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Botelho elaborou um estudo sobre os efeitos do Programa de Biodiesel no Ceará e, com base nos dados do IBGE, concluiu que a produtividade (medida pela razão produção física por área plantada) da mamona vem decrescendo em relação ao patamar registrado em 2000-2004, antes da implementação do Programa de Biodiesel estadual.

“De fato, ao longo dos intervalos mencionados, a rentabilidade financeira (medida pela razão valor por hectare a preços médios de 2012 inflacionados pelo IGP-DI/FGV) caiu de R$ 1.558 para apenas R$ 306, mesmo considerando que o preço por produtor acusou uma elevação de R$ 0,51, passando de R$ 0,70, em 2006, para R$ 1,21 em 2011. Em outras palavras, a despeito do preço médio por produtor ter acusado um acréscimo real de 72%, o rendimento monetário ´despencou´ de R$ 1.558 por hectare para a marca de apenas de R$ 306 no período 2010-12”, acrescenta.

Causas

Na avaliação do economista, a razão para essa significativa queda no rendimento da lavoura de mamona no Ceará “foi a expansão desenfreada na área plantada para locais não apropriadas ao cultivo dessa cultura, uma vez que a área plantada com mamona registrou acréscimo de 336% no Estado. Enquanto isso se verificou redução de 27% para o Brasil, de 25% para o Nordeste e de 31% em relação ao estado da Bahia”.

Demartone Botelho acrescenta que, quando comparada à área cultivada no Estado, o crescimento da produção da mamona é bem menor, gerando uma acentuada disparidade. “De fato, diante da forte expansão na área plantada (entre 1990 e 2011) no Ceará, a produção obtida de mamona em toneladas no estado acusou um acréscimo bem menor: de 167%. Foi isso que gerou a referida queda de rendimento da mamona no período em análise”, enfatiza.

Reavaliação

Diante destes números, o economista chama atenção para a necessidade de reavaliar as estratégias governamentais na área. Entre os pontos que merecem maior atenção, ele destaca a distribuição dos recursos do Programa. “Os municípios que possuem as condições edafoclimáticas mais apropriadas para a cultura da mamona deveriam ser priorizadas pelo Programa e não pulverizar os recursos pelo Estado todo, independentemente da vocação natural para o cultivo da mamona. Portanto, o foco do programa, em termos de áreas plantadas, deveria ser alterado”.

O economista acrescenta: “além dos resultados pífios alcançados com o programa da mamona no Ceará, outro aspecto de natureza técnica merece apreciação por parte dos tomadores de decisão na política de desenvolvimento rural no Estado: o fato conhecido do óleo de mamona não ser adequado à produção de biodiesel, principalmente em função de sua elevada viscosidade, requerendo a realização da transesterificação, processo de que resulta a produção de biodiesel e glicerina, o que encarece o produto, além de exigir um mercado para a glicerina”.