A agricultura pode produzir matérias-primas para a geração de energia renovável, sem deixar de fornecer os alimentos necessários para a população. Essa foi a principal conclusão a que se chegou a partir das experiências apresentadas por representantes de diversos países durante a Semana de Bioenergia realizada de 18 a 23/03, em Brasília/DF. O evento foi promovido pela Global Bioenergy Partnership (GBEP), pelos Ministérios das Relações Exteriores (MRE) e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e pela Embrapa Agroenergia. A iniciativa contou com o apoio da Organização dos Estados Americanos (OEA), do Departamento de Estado dos Estados Unidos e da empresa Raízen.

“Nós precisamos de mais energia, alimentos e água, tudo ao mesmo tempo”, ressaltou o coordenador de bioenergia da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Olivier Dubois, no encerramento da Semana. Dubois lembrou que nunca se disse que produzir bioenergia de modo sustentável seria fácil, mas que existem o conhecimento e as ferramentas necessárias para fazê-lo.

A coordenadora do evento e copresidente da GBEP, embaixadora Mariangela Rebuá, afirmou que a bioenergia deve ter como ponto principal a sustentabilidade em seus três pilares: o ambiental, o econômico e o social. As análises para verificar o grau de sustentabilidade de um produto bioenergético devem ser feitas detalhadamente, em âmbito local, com a participação de todos os atores envolvidos na cadeia produtiva.

A embaixadora também destacou que a produção de bioenergia não é antagônica à de alimentos e que, atualmente, a primeira delas ocupa apenas 3% das terras agricultáveis do planeta. Ela também lembrou que ainda não foi demonstrada a existência de uma relação de causa e efeito entre o aumento do uso da biomassa para geração de energia e o preço dos alimentos. Muitos outros fatores entram na conta, impactando os custos.

Produtividade

Uma das maneiras de melhorar o uso da terra, de forma a garantir espaço tanto para a produção de alimentos quanto para a de bioenergia, é aumentar a produtividade das lavouras. Essa estratégia tem sido adotada pelo Brasil há cerca de 40 anos. Desde a safra 1976/77, a produção brasileira de grãos mais do que triplicou, enquanto a área plantada cresceu aproximadamente 33%. De acordo com o chefe-geral da Embrapa Agroenergia, Manoel Souza, o aumento da produtividade permitiu também reduzir custos e tempo de produção. “Tecnologia para aumentar a produtividade existe; o desafio é fazer com que ela chegue aos produtores”, afirmou durante o evento.

Para Manoel Souza, o Brasil está conseguindo colheitas mais fartas em cada hectare de terra cultivado graças à estrutura para trabalhos de pesquisa que começou a criar na década de 1970. “Os números que temos são uma demonstração muito clara de que investir em Pesquisa e Desenvolvimento é uma forma de aumentar a produtividade, gerando benefícios tanto do ponto de vista ambiental quanto do econômico e do social”, observou.

Eric Ofori-Nyarko, da Comissão de Energia de Gana, quer levar a experiência brasileira para seu país, desenvolvendo tecnologias para melhorar tanto a segurança alimentar quanto a energética. Atualmente, o país africano importa cerca de 40% dos alimentos e bebidas que consome, especialmente arroz, milho e trigo. A ideia é impulsionar a produção de alimentos e utilizar os resíduos para gerar energia.

Segundo o diretor da Agência de Energias Renováveis de Gana, Hamza Tanko, uma das possibilidades é utilizar os resíduos do cacau para fabricar etanol celulósico (de segunda geração). O país é o segundo maior produtor mundial do fruto. Outra aposta de Gana é o cultivo de cana-de-açúcar nas áreas de savana, que são semelhantes ao cerrado brasileiro. Tanko informou que o país tem terras disponíveis para a agricultura. No entanto, para que elas sejam cultivadas, será preciso investir em pesquisa, “como a Embrapa fez”, disse.

Do lixo à bioenergia

Durante a Semana de Bioenergia, Tarun Rokadyia, da empresa Abellon Clean Energy, mostrou o trabalho que tem desenvolvido na Índia, aproveitando os resíduos agrícolas (especialmente troncos e galhos de algodoeiro) para produzir péletes – produtos de pequena dimensão que apresentam biomassa moída em blocos compactados para queima em fornos ou caldeiras, por exemplo. Eles têm aplicação industrial, mas também são usados para aquecer casas ou cozinhar alimentos. A companhia tem pontos de coleta em diversas regiões produtoras do país, com o apoio de líderes comunitários. Os agricultores levam os resíduos até esses locais e recebem pagamento em dinheiro por eles.

Rokadya informou que a Índia gasta 10% do seu Produto Interno Bruto (PIB) com importação de energia e 30% da população não tem acesso à eletricidade. Ele mostrou que o país tem desafios interdependentes, tais como o aumento da segurança energética, a racionalização do uso de energia na agricultura, a recuperação dos solos e a geração de empregos e renda. Para Rokadya, esses desafios exigem soluções integradas. Nesse sentido, parte da biomassa recolhida é utiliza para produzir fertilizantes orgânicos, por meio da compostagem Metade da força de trabalho indiana está empregada na agricultura, que é responsável por 15% do PIB daquele país.

Aproveitar resíduos agrícolas faz com que a produção de energia seja ainda mais sustentável, resume a embaixadora Mariangela Rebuá. A utilização desse tipo de material agrega valor a cadeias produtivas, libera áreas agricultáveis para a produção de alimentos e evita problemas ambientais.

Políticas

Para a embaixadora, o desenvolvimento de políticas públicas e a disponibilidade de linhas de financiamento adequadas são fundamentais para fomentar a produção sustentável de bioenergia. Da mesma forma, é preciso haver investimentos constantes em pesquisa e desenvolvimento para avançar em produtividade, matérias-primas e processos produtivos, por exemplo.

Manoel Souza, da Embrapa Agroenergia, destacou a importância da integração entre o setor público e o privado. “A iniciativa pública e a privada têm de estar cada vez mais alinhadas”, disse. Para Souza, a Semana de Bioenergia mostrou alguns dos desafios que o Brasil tem de enfrentar, inclusive no estabelecimento de parcerias, tendo observado que muitos países têm expectativas em relação à bioenergia e que instituições brasileiras podem colaborar para que elas sejam atendidas. Neste ano, por exemplo, a Embrapa Agroenergia está articulando parcerias com instituições de pesquisa na América Latina. Já foram definidas parcerias com a Argentina e o Chile e iniciados diálogos com a Colômbia. Como relação à África, está desenvolvendo projetos para a área de bioenergia com a Costa do Marfim e recebeu, no mês passado, o pesquisador nigeriano Akagbuo Barth Nwauzoma, que permanecerá aqui por um ano desenvolvendo estudos com pinhão-manso.

Betsy Bandy, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Energia e Minerais da Jamaica concluiu que o evento foi uma oportunidade de perceber os trabalhos em parceria que seu país pode desenvolver com nações vizinhas, especialmente o Haiti e a República Dominicana. Betsy afirmou que conhecer as experiências relatadas durante o evento lhe dá confiança para enfrentar o que considera um dos maiores desafios da bioenergia – a inclusão da agricultura familiar.

Mariangela contou que os vários participantes com quem conversou sobre o evento demonstraram que vão utilizar os conhecimentos adquiridos para tomar decisões e promover o desenvolvimento da bioenergia em seus respectivos países.