Em audiência pública realizada nesta quarta-feira (06/07) pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o deputado federal e ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) Alceu Moreira (MDB-RS) cobrou do órgão regulador uma ação mais rigorosa para verificação da qualidade do combustível fóssil consumido no Brasil, e citou como exemplo o uso ainda em larga escala no interior do país do diesel S500, combustível altamente poluente e cancerígeno já banido de diversos países.

Em sua fala durante a audiência com a ANP, o parlamentar afirmou que a agência tem usado um rigor maior ao regular os biocombustíveis do que as fontes de matriz fóssil, e reforçou que uma nota técnica da agência causou confusão ao sugerir que o biodiesel estaria causando entupimento de motores, o que não tem qualquer comprovação científica. ““Cada vez que se fala em diesel fóssil, se fala que o Brasil é um dos países com maior oportunidade de ter energia limpa. Mas se coloca diversas questões, como dizer que o biodiesel entope o motor. Ora, mas se tem alguma prova disso? Não, não tem prova nenhuma. Só que essa nota técnica (que sugere esse entupimento) é da ANP, e ela é quase uma advocacia contrária ao processo (de descarbonização da matriz energética)”, disse o deputado.

O deputado condenou o que chamou de parcialidade da agência reguladora: “Como a ANP é, na verdade, uma instituição reguladora que deve ficar acima de qualquer interesse, além do interesse nacional, cada vez que se vê um relatório que estabelece qualquer tipo de parcialidade, e essa parcialidade parece tendência de viabilizar outro interesse negocial que não o interesse de regular a questão dos combustíveis, então a nossa participação aqui é para pedir que a ANP tenha a absoluta clareza de todo o contexto em que está envolvido o biodiesel nacional”, reforçou.

Alceu Moreira também lembrou que, apesar de os biocombustíveis terem qualidade comprovada e contribuírem para o desenvolvimento sustentável do país, o país não tem cumprido uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que determina o aumento gradual da mistura do biodiesel ao diesel fóssil. Pela norma, o percentual deveria estar hoje em 14%, ao invés dos 10% atuais.

O deputado lembrou que o não cumprimento da norma causa “grande intranquilidade para o setor”, que investiu na criação e modernização de plantas de produção de biodiesel, e que hoje se encontra com mais de 50% de ociosidade.

Moreira disse ainda esperar da ANP maior sensibilidade no tratamento do tema, dado que a indústria do biodiesel é de grande importância “não apenas pela matriz econômica, mas também pelos efeitos sociais que ela acaba despertando tanto para comprar do pequeno produtor rural quanto os que precisam do farelo para fazer a alimentação das cadeias produtivas, principalmente da suinocultura, sem falar na bovinocultura confinada”, reforçou.

“Esperamos que um país que pretende vender seus produtos com selo verde não renuncie ao biodiesel para fazer uma opção pelo combustível fóssil”, sentenciou o parlamentar.

Tratamento mais severo da ANP

Também presente na audiência pública, o professor de Engenharia Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e consultor da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), Donato Aranda, reforçou a necessidade de aperfeiçoamento das especificações da ANP referentes à qualidade dos óleos diesel S10 e S500.

“Nos preocupa o seguinte fato: a própria nota técnica da ANP diz, em dado momento, que as parafinas (mistura de hidrocarbonetos saturados, usados no diesel comum) estão associadas a problemas de entupimento nos veículos, e que o teor destes compostos pode chegar até 40%”, explicou o professor da UFRJ, reforçando o contraste na regulação dos biocombustíveis.

“Na especificação do biodiesel”, continuou Aranda, “a ANP mencionou que os monoglicerídeos presentes no biodiesel podem causar entupimento. Na prática, o que estamos vendo de proposta, na resolução que discutimos há poucos meses para o biodiesel, a ANP propõe uma redução de 0,7% para 0,4% de monoglicerídeos pela suposta relação destes compostos com o entupimento. E, no caso do diesel, a própria nota técnica fala que os compostos parafínicos (presentes no diesel fóssil) podem causar entupimento dos motores. Aliás, isso é visto isso em manuais de alguns veículos. No entanto, na proposta de especificação a ANP não propõe nenhuma regulação do teor de parafina. Então, este é um dos pontos que gostaria de ser levado à reflexão pelos técnicos da ANP, porque não me parece isonômico isso. Como se todos os problemas de entupimento sempre fossem associados ao biodiesel e sabidamente isso não é verdade”, reforçou o consultor da Ubrabio.

Ele também falou sobre os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos que a nota técnica da ANP diz serem cancerígenos. Segundo ele, para o diesel S10, a ANP propõe uma redução de 11% para 8%. já para o diesel S500, a agência não propõe nenhuma regulação do teor dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos. “A gente sabe que o S500 é menos hidrotratado do que o S10 e estes compostos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos certamente estarão presentes pelo tratamento menos severo. Estimo que ao menos 10% de bilhões de litros de diesel S500, que permanece no dia a dia da sociedade, têm um teor muito elevado de componentes que são causadores de câncer. Não deveria haver, na minha interpretação, a tolerância com diesel em relação a isso. Devia haver uma redução maior no S10 e no S500”, cobrou o professor Donato.