Pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental (PA) e da Embrapa Agroenergia (DF) encontraram uma alternativa para produzir cogumelos comestíveis, como o Pleurotus ostreatus, ou shimeji, no Brasil a baixo custo e, assim, tornar seu consumo acessível a grande parte da população. Os cientistas usaram biomassas residuais, resíduos gerados no processamento do óleo do dendê (óleo de palma), como substrato para cultivar o fungo.
Segundo o pesquisador Marcos Enê Oliveira, o shimeji encontra condições ideais para se desenvolver nos resíduos industriais do dendê produzido no Brasil, especialmente no Pará, onde a indústria gera três toneladas de resíduos sólidos e uma tonelada de efluentes líquidos. Oliveira explica que as biomassas residuais são fibras e substâncias ricas em proteína, lipídeos, carboidratos e minerais, que podem nutrir cogumelos comestíveis como o shimeji, conhecido também como cogumelo-ostra, produto bastante apreciado na culinária nacional e internacional.
Comprar shimeji no mercado brasileiro é para poucos. O quilo do produto sai entre R$ 48,00 e R$ 80,00 porque grande parte do produto vem do exterior e tem alto custo de importação. Só de frete, paga-se em torno de dois reais por quilo. Além disso, é preciso cuidado redobrado no transporte e na conservação do produto.
Cogumelos versáteis
O pesquisador destaca que o cultivo desses cogumelos comestíveis é possível devido à sua versatilidade em se desenvolver em diferentes condições climáticas e substratos. “Esse fungo tem uma enorme capacidade de quebrar fibras lignocelulósicas, consideradas complexas quimicamente, e extrair delas os nutrientes necessários para o seu crescimento e frutificação”, conta o especialista explicando que o cultivo imita o que ocorre na natureza ao oferecer resíduos vegetais em um substrato formado por fibras e pelo efluente gerado.
Para se chegar à mistura ideal, os pesquisadores da Embrapa Agroenergia (DF), Félix Siqueira e Simone Mendonça testam formulações de substratos com diferentes concentrações de resíduos, entre eles, a cinza de caldeira, também oriundo do processamento do óleo de dendê.
O substrato é esterilizado em autoclave industrial para, depois, inocular o fungo. A fase de colonização, que é o crescimento do fungo no substrato, leva em torno de 25 a 30 dias em uma câmara escura, a fim de imitar a natureza na qual os cogumelos crescem ao abrigo da luz em serapilheiras ou troncos de árvores.
Efluente rico
O efluente líquido do processamento do dendê, conhecido pela sigla Pome (palm oil mill effluent), é constituído, principalmente, de água, minerais e matéria orgânica, e atualmente seu destino são as lagoas de estabilização, conforme orienta a legislação. “Algumas experiências têm indicado a utilização desse efluente líquido como fertilizante para os plantios de dendê, mas essa aplicação ainda está sendo estudada para assegurar que não haja impacto ambiental”, esclarece o pesquisador.
Os valiosos resíduos do dendê
O Pará responde por mais de 90% da produção brasileira de óleo de dendê. Em 2017, por exemplo, o estado produziu cerca de 480 mil toneladas desse óleo, gerando aproximadamente 1,4 milhão de toneladas de resíduos sólidos e líquidos. De acordo com Roberto Yokoyama, diretor da empresa Dendê do Pará (Denpasa) e presidente da Câmara Setorial da Palma de Óleo, o custo médio da tonelada de óleo bruto produzido no Brasil está por volta de US$ 610 a US$ 650, e o investimento necessário para se montar uma usina de beneficiamento é de um milhão de reais para cada tonelada de cacho processado, sendo que pelo menos 30% desse valor está diretamente ligado aos resíduos.
Na indústria de beneficiamento do óleo, os resíduos são o cacho vazio; o efluente líquido (pome); a fibra e a casca do fruto, (resultante da prensagem); a borra, partículas sólidas geradas na separação entre o óleo e a água; e a torta de palmiste, resíduo da prensagem da amêndoa. Yokoyama conta que alguns deles já são utilizados para outros fins, como alimentação animal e geração de energia, mas o volume produzido ainda é grande. “Mesmo com alguns usos, o resíduo gerado ainda é um problema para a indústria”, afirma.
Em números, para cada tonelada de cacho de fruto fresco (CFF) que entra na agroindústria, são produzidos em média 220 kg de cacho vazio, 120 kg de fibra de prensagem, 50 kg de casca, 20 kg de torta de palmiste, 60 kg de borra e 650 a 1.000 kg de efluentes. Esses resíduos são basicamente compostos por celulose e lignina, um material fibroso complexo, cujas ligações conseguem ser quebradas pelos fungos do gênero pleurotus.
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Cogumelos têm mercado promissor
Em 2017 o Brasil importou quase 12 mil toneladas de cogumelos e trufas, entre secos, em conservas e preparados, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. E a produção nacional in natura está também na ordem de 12 mil toneladas ao ano, de acordo com a Associação Nacional dos Produtores de Cogumelos (ANPC).
O consumo interno, ainda de acordo com a associação, é pequeno por falta de tradição, tendo destaque o champignon de Paris (Agaricus bisporus), shitake (Lentinula edodes) e os cogumelos-ostra, ou shimeji preto ou branco (Pleurotus). Os maiores produtores de cogumelos shimeji no Brasil estão no estado de São Paulo. É do município de Mogi das Cruzes (SP) que vem o cogumelo que abastece a maior empresa desse produto no Pará. De acordo com o empresário Tomoaki Kishimoto, a empresa vende em torno de 700 quilos de shimeji por mês, principalmente para restaurantes japoneses localizados em Belém, capital paraense.
Kishimoto atribui o baixo consumo ao valor elevado do produto. Em Belém, o quilo do “shiimeji preto”, o mais popular entre os consumidores, custa entre R$ 50 e R$ 80, e o do “shiimeji branco” entre R$ 48 e R$ 70. “O custo de importação é alto, só de frete paga-se em torno de dois reais por quilo. Além disso, é preciso cuidado redobrado no transporte e na conservação dele”, relata o empresário.
O tempo de validade do produto in natura é outro obstáculo para os comerciantes locais, de acordo com Kishimoto. O produto vem de caminhão com câmara frigorífica e é armazenado em isopores. “A validade após o beneficiamento é de 12 dias, mas perdemos cinco com o transporte, só restando sete dias para comercializar o produto fresco no mercado local”, conta o empresário. Por isso, a empresa importa as quantidades certas, limitando assim um crescimento mais expressivo do consumo local.
Mas nos restaurantes os pratos com shimeji estão entre os preferidos dos consumidores, que pagam um pouco mais caro pela iguaria. A empresária Tássia Araújo Costa, que administra um restaurante japonês em Belém, diz que o valor do cogumelo shimeji no mercado local é bastante variável e elevado, “mesmo assim, a saída dos pratos à base de shimeji é grande e ainda compensa o custo de aquisição do produto pelo restaurante”.
Para o pesquisador da Embrapa Marcos Enê Oliveira, considerando que o Pará tem a terceira maior colônia japonesa do Brasil, há uma demanda potencial para o shimeji na região, e a produção local pode favorecer esse mercado promissor.
Além disso, Félix Siqueira, pesquisador da Embrapa Agroenergia, ressalta que há potencial enorme para a produção de cogumelos comestíveis regionais amazônicos que já estão climatizados às condições de florestas. “As florestas tropicais são um dos maiores bancos de biodiversidades de cogumelos e entre estes muitos com potenciais alimentícios e nutraceuticos (substâncias bioativas benéficas a saúde)”, frisa o cientista. “Junto aos resíduos lignocelulósicos são observados muitas espécies de cogumelos crescendo naturalmente, que podem ser espécies já domesticadas e com clientela fidelizada”, acredita.
Resíduos de cogumelos viram ração para peixes
Até mesmo os resíduos gerados na produção dos cogumelos podem dar origem a bioprodutos valiosos segundo explica o pesquisador Félix Siqueira, da Embrapa Agroenergia (DF). Após o cultivo e colheita dos cogumelos (Pleurotus ou “shiimeji”), os pesquisadores utilizaram a biomassa residual para preparar rações para peixes.
A biomassa vegetal que sobra após a colheita dos cogumelos é rica em nutrientes, tanto da planta como da massa fúngica, característica importante para compor formulações de ração animal. O pesquisador observou que a biomassa pós-colheita apresentava digestibilidade suficiente para inserção como alimentos de peixes.
Os primeiros testes com alevinos de tambacu (híbrido de tambaqui com pacu) mostraram resultados positivos. ”Os alevinos alimentados com a biomassa de dendê após o cultivo do fungo apresentaram digestibilidade semelhantes ou melhores comparando-se ao formulado comercial”, relata Siqueira.
Ele explica que esse é apenas o primeiro passo para dar continuidade à pesquisa, e os resultados preliminares abrem oportunidade de discussão com as agroindústrias de dendê para a criação de pesquisas permanentes com foco na exploração de bioprodutos de fermentados microbianos (macrofungos formadores de cogumelos). “É uma alternativa para minimizar o passivo ambiental do setor seguindo o modelo das biorrefinarias”, sugere. Ele destaca que, no contexto da bioeconomia, essa é a produção “zero de resíduos”, ciclo de sustentabilidade no qual resíduos são matérias-primas para novos produtos.
Fonte: Embrapa