Artigo de Francisco Jardim, sócio da gestora de investimentos SP Ventures

O novíssimo setor de tecnologia para o agronegócio, conhecido como AgTech, entrou de vez no radar do mercado brasileiro em 2017. Se até um ano atrás esse termo estava restrito às rodas da cadeia de inovação agrícola, hoje ele já soa familiar em qualquer conversa de negócios, da mídia aos executivos de empresas de tecnologia, passando por investidores, governos, empreendedores e academia.

Mas o que isso significa de fato? Do ponto de vista de investimentos e novos negócios, o que esperar do mercado AgTech? Começo minha análise com a seguinte avaliação: se 2017 foi o ano em que o Brasil praticamente conheceu esse novo nicho de mercado, 2018 será o ano de investir nas startups agrícolas – brasileiras!

Como investidor de empresas que atua há muitos anos no Brasil, mas com uma conexão profunda com o ecossistema internacional de venture capital, tenho a oportunidade de analisar a evolução dos diferentes mercados, comparando seus pontos fortes e fracos, assim como as características que tornam este ou aquele país mais sedutor para quem deseja investir.

Não tenho dúvidas de que a vocação do Brasil para a agropecuária, aliada a outros fatores que vou comentar mais adiante, tornam o AgTech brasileiro uma opção quente. São pelo menos 8 fatores que me levam a pensar que 2018 será o ano das startups brasileiras de tecnologia para o agronegócio.

Vamos a eles.

1 – Explosão da demanda mundial por alimentos

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) calcula que o mundo terá 9,3 bilhões de habitantes em 2050, dos quais 70% da população em áreas urbanas. Para alimentar esse contingente, será necessário aumentar a produção de alimentos em 70%; a de cereais, especificamente, terá que atingir 3 bilhões de toneladas por ano, superior aos 2,1 bilhões atuais.

O desafio é enorme não apenas pela quantidade, mas pela qualidade dessa produção, que não poderá crescer a qualquer custo. A demanda da sociedade por sustentabilidade exige que o agronegócio cresça com respeito ao meio ambiente e aos recursos naturais. A tecnologia e a inovação são as aliadas para vencer este desafio, abrindo um oceano azul para as startups AgTech.

2 – A força do agronegócio brasileiro

Com uma sequência de anos de vacas magras na economia brasileira, é o agronegócio quem tem carregado o Brasil nas costas. O setor é responsável por 23% do PIB nacional e vem colhendo frutos muito bons. O PIB da agropecuária no terceiro trimestre de 2017, de R$ 70,3 bilhões, foi 9,1% superior ao registrado no mesmo período de 2016. No acumulado dos nove primeiros meses de 2017, a expansão foi de 14,6%.

Já a soma das riquezas do País nem em sonhos passa perto disso. O PIB brasileiro ficou estável entre o segundo e o terceiro trimestres do ano, com uma expansão mínima de 0,1%. Em relação ao terceiro trimestre do ano passado, o crescimento foi de 1,4% e, no acumulado de 2017, alcançou expansão de apenas 0,6%. Como comparação, a indústria cresceu 0,8% no período e o setor de serviços 0,6%.

Esses números mostram um agronegócio pujante, criando a base para mais investimentos em tecnologia e inovação. Ainda assim, trata-se de um potencial pouco aproveitado pelas companhias de venture capital. Contam-se nos dedos as gestoras e investidores do setor, o que indica um potencial enorme para os próximos anos.

3 – Centro de excelência em pesquisas agrárias

O agronegócio brasileiro tem histórico de inovação. Exemplo disso é a revolução agrícola liderada pela Embrapa a partir da década de 1970, que tornou o Brasil um dos líderes mundiais em tecnologias para a agricultura tropical. Com pesquisa de vanguarda, o País deixou para trás uma situação de insegurança alimentar e passou a ser um dos principais produtores de alimentos do mundo – só para dar um exemplo, hoje somos o segundo maior produtor e exportador de soja.

Essas conquistas se devem também aos diversos centros de excelência acadêmica em agro e tecnologia espalhados pelo País. A começar pela Esalq, de Piracicaba – que faz parte da USP -, eleita em 2016 a quinta melhor universidade do mundo em ciências agrárias no ranking da editora U.S News and World Report.

Além dela, podemos citar o complexo USP de maneira geral, que engloba também os campi de Pirassununga e Ribeirão Preto, Unesp (Botucatu e Jaboticabal), Unicamp, as universidades federal de Viçosa, Lavras e Santa Catarina, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ( INPE).

4 – Sólido ecossistema de agronegócio

O Brasil não se tornou uma potência agrícola por acaso. Além da vocação para agropecuária e a tradição de pesquisa no setor, temos um mercado forte e bem estruturado. As principais multinacionais do agronegócio estão aqui, como as do setor químico, maquinários, sementes e fornecedores de insumos em geral. O quadro se completa com a presença de companhias internacionais de alimentos e os grandes produtores rurais.

5 – Estágio de tecnologia

A onda AgTech no Brasil só é possível porque hoje a Internet exibe um bom grau de maturidade e há tecnologia disponível para uma série de produtos e serviços agrícolas. Dados do NIC.br, o braço executivo do Comitê Gestor da Internet, mostram que a Internet brasileira alcança 61% das pessoas com mais de 10 anos, o equivalente a 107,9 milhões de usuários.

O desafio a ser vencido é melhorar a conexão nas áreas rurais – 65% das pessoas que vivem nas cidades navegam na rede, enquanto no campo o índice cai para 39%. A boa notícia é que, se a infraestrutura ainda é falha, a barreira cultural está sendo superada.

Um estudo feito pela agência HYP Digital mostra que, de 10 produtores rurais brasileiros, 7 acessam a internet; e o smartphone é o principal meio para isso. Além disso, os agricultores estão nas redes sociais: 97% usam o WhatsApp e 97% têm conta no Facebook.

Em relação à tecnologia, recursos como Inteligência Artificial, Internet das Coisas, computação em nuvem, sensores de monitoramento e rastreamento hoje possibilitam às startups levar ao produtor rural uma série de serviços que há pouco tempo seriam impensáveis.

6 – Agricultura tropical e concorrência estrangeira

A agricultura tropical serve de barreira de entrada para concorrentes estrangeiros que pretendem atuar no Brasil, proporcionando uma vantagem competitiva para as startups agrícolas brasileiras. Isso porque AgTechs americanas ou europeias desenvolvem suas soluções pensando na agricultura de clima temperado. Não dá para simplesmente replicar aqui suas tecnologias, como acontece em setores da economia.

O chamado copycat, jargão do mercado digital para startups que copiam modelos consagrados em outros países, não cola na agricultura. Por isso, as startups AgTech internacionais têm muitas dificuldades para ingressar no Brasil. Condições climáticas e de solo diferentes exigem soluções diferentes; e ninguém conhece melhor a agricultura tropical do que as AgTechs nacionais.

De quebra, os empreendedores brasileiros contam com uma vantagem competitiva global, estando melhor posicionados para conquistar outros mercados de agricultura tropical, como América Latina, África e Sudeste Asiático.

O mercado de AgTech nacional já tem algumas representantes de peso, como a Spec Solo, que usa tecnologia de espectroscopia e inteligência artificial, desenvolvida em conjunto com a Embrapa Solos (RJ), para revolucionar a forma como a análise de solo é conduzida em solos tropicais; a Agronow, que processa imagens de satélite e radar com algoritmos de inteligência artificial para inferir produtividade e risco de safra agrícola; e a Aegro, sistema de gestão e manejo agrícola, desenvolvido por cientistas da computação e agrônomos de UFRGS, que oferece uma ferramenta de gestão de fazenda sofisticada a preços acessíveis para o pequeno e médio produtor.

7 – Democratização da tecnologia

Inovação não é uma novidade no agronegócio nacional, conforme já falamos. O que há de novo nessa história é que o digital está democratizando o acesso à tecnologia pelo pequeno produtor rural. Se antes apenas as grandes propriedades rurais tinham condições técnicas e financeiras para implantar sistemas complexos, como mecanização de lavouras, hoje agricultores menores também podem contar com diferentes serviços digitais, prestados por startups, que cabem no bolso.

Existem aplicativos para monitoramento de fazendas, previsão de safra e softwares de gestão com assinaturas mensais na casa de poucas centenas de reais. Esse processo ainda está no início. A tendência é que os serviços de tecnologia se tornem ainda mais acessíveis no curto espaço de tempo, atraindo mais produtores rurais como clientes e ampliando o mercado para as startups.

8 – Maior probabilidade de “saídas”

Todo investidor que aposta numa startup espera, em algum momento, concretizar uma boa “saída”, ou seja, vender sua participação por um valor muito maior que o investido. Nas demais áreas, como comércio eletrônico ou aplicativos de tecnologia, a probabilidade de retornos elevados é pequena. Quando pensamos no agronegócio, a história é diferente. É um dos principais setores da economia global. E o Brasil é protagonista nesse campo.

As startups nacionais que se destacarem, conquistarem mercados e estiverem na vanguarda tecnológica estarão naturalmente credenciadas aos olhos dos principais fundos de investimento do mundo, que começam a olhar o AgTech brasileiro com atenção.

O setor, aliás, já gerou seu primeiro unicórnio, a Climate Corp, empresa de análise e gerenciamento de risco comprada pela Monsanto por US$ 930 milhões. Nos últimos meses, várias outras aquisições foram anunciadas, como a compra da Blue River pela John Deere e da Granular pela Duponte, ambas por US$ 300 milhões cada.

É por essas e outras que não tenho dúvidas de que os Facebooks, Googles e Amazons brasileiros já estão entre nós, sujando a botina em fazendas espalhadas em diferentes cantos do Brasil. É só uma questão de tempo para que esse nerds do campo se agigantem e coloquem o País na rota dos grandes deals internacionais.