O ano de 2016 foi campeão em aquecimento global. Até o momento presente, caminha para terminar como o mais quente desde que começaram os registros em 1850. Essa era a previsão em meados de dezembro do Met Office, instituto de meteorologia do Reino Unido, e da Organização Mundial de Meteorologia. Antes disso, o ano de 2016 conseguiu uma façanha inédita na história da meteorologia. Dos 11 primeiros meses do ano, dez deles bateram o recorde histórico de calor. Apenas outubro não bateu o recorde. Mesmo assim, foi o segundo outubro mais quente da história. O recorde de 2016 será o terceiro seguido, já que 2014 e 2015 também bateram recordes sucessivos.

O ano de 2017 baterá o quarto recorde? É improvável. As temperaturas chegaram ao teto por conta de uma junção entre o fenômeno El Niño (que transfere calor do Oceano Pacífico para a atmosfera) e a tendência de aquecimento global causado pela ação humana. Agora, o El Niño já se desfez. Mas a tendência gerada pelo aquecimento global continua. Ou seja, 2017 deverá ser mais quente do que a média do século passado, mas não tão extremo quanto estamos vivendo agora. Os eventos extremos de chuvas e secas decorrentes desse novo patamar de clima ajudarão a pressionar por medidas mais duras para controlar o clima.

Apesar do tamanho do desafio – e de sua urgência – não estão claros quais são os próximos passos do Brasil e do mundo na luta para administrar as mudanças climáticas. Parte das consequências políticas e econômicas serão consequência de como os países executarão ou não as metas autodeterminadas que apresentaram no Acordo de Paris, de dezembro de 2015. As Nações Unidas declararam que o tratado entrou em vigor em 2016. Dos 195 signatários, 117 ratificaram o acordo em seus parlamentos nacionais, para ter força de lei.

As dificuldades, no entanto, começam com os Estados Unidos, o segundo maior poluidor do mundo (atrás da China), responsável por 13% das emissões mundias. Donald Trump foi eleito dizendo que o aquecimento global não existe. Escolheu, para sua equipe de transição, nomes conhecidos por serem contrários a qualquer política de combate a mudanças climáticas. Um deles é Myron Ebell, diretor de um think thank americano financiado pela indústria de carvão. Outro, que provavelmente chefiará a EPA (o Ibama americano), é Scott Pruitt, um promotor de Oklahoma que processou a administração Obama para tentar derrubar regulamentações ambientais. Seu Secretário de Estado é Rex Tillerson, CEO da multinacional do petróleo ExxonMobil. Essas escolhas indicam que o presidente eleito não se afastará de suas promessas de campanha: acabar com as regras ambientais e liberar a exploração desenfreada de combustíveis fósseis. E talvez, até mesmo se retirar do Acordo de Paris.

Porém, nem tudo está na mão do presidente americano. Parte das emissões depende dos estados, municípios e do setor privado. Se esses atores fizerem a sua parte, a influência do novo presidente nas políticas climáticas pode não ser tão forte. Isso já está acontecendo. Entre os estados, a Califórnia é um dos que se destacam. Os californianos já geram quase 30% de sua energia com renováveis. Na próxima década, devem chegar a 50%. Entre o setor privado, há um crescente interesse das empresas, e algumas do Vale do Silício, como Google a Apple, que se comprometeram a operar só com energia limpa. O setor privado está embarcando nas energias renováveis não porque quer enfrentar o aquecimento global, mas porque sabe que energia limpa também é lucrativa.

No Brasil, o presidente Michel Temer ratificou o acordo em setembro de 2016. Mas daí às metas serem cumpridas é outra coisa. Para começar, o Brasil se propôs a acabar, até 2030, com o desmatamento ilegal na Amazônia Legal. Quando a meta foi proposta, o desmatamento acumulava uma década de tendência de queda. Mas voltou a crescer em 2016. Há sinais que as políticas de controle de crédito para pecuaristas em municípios com alto índice de desmatamento ilegal esgotaram sua eficácia. Segundo Justiniano Netto, secretário executivo do Programa Municípios Verdes do Pará, o desafio agora é enfrentar de vez a grilagem.

Isso envolve fiscalizar o comércio ilegal de lotes dentro de áreas de assentamento. E atacar as quadrilhas que invadem terras públicas, desmatam e tentam regularizar a posse mais tarde. Outro desafio para o Brasil será começar a monitorar e controlar o desmatamento do Cerrado. Além disso, o Brasil se comprometeu a recuperar 12 milhões de hectares de florestas desmatadas ilegalmente. “Cumprir isso vai depender de programas que incentivem os proprietários rurais a recuperar o que desmataram”, diz Karin Kässmayer, consultora legislativa do Senado para assuntos ambientais. O problema é que esses programas não têm chance de receber verba em tempos de ajuste fiscal.

O que está em jogo é quanto aquecimento teremos que enfrentar. As pesquisas científicas indicam que, para reduzir as chances de cenários apocalípticos, é importante ficar abaixo de um aumento de 2 graus da temperatura média da Terra em relação à média de 1951 a 1980. E desejável ficar abaixo de 1,5 grau. Hoje já passamos de 1 grau de aquecimento. A ciência das previsões é imprecisa. A diferença entre o aquecimento de hoje e o de mais de 2 graus é relevante. No aquecimento já empenhado, teremos que administrar uma elevação do mar que come algumas praias. Acima de 2 graus, cidades e países inteiros ficam embaixo d’água na metade do século. Pelo padrão em curso, teremos mais secas e mudanças em áreas agrícolas. Com mais de 2 graus, a Amazônia vira uma savana e bilhões de pessoas passarão fome no mundo. Hoje, lidamos com perdas de corais, importantes para reprodução de peixes. Acima de 2 graus, a vida marinha entra em colapso.

Ficar dentro do limite de 2 graus não será fácil. Segundo um estudo da Agência Internacional de Energia, exige que a demanda por petróleo atinja seu máximo em 2020 pouco acima do consumo atual. O uso de derivados de petróleo para transporte de passageiros e cargas deveria cair nos próximos 25 anos, para dar lugar a eletricidade, gás natural e biocombustíveis. As metas do Acordo de Paris não traçam esse cenário. Mas há uma transição tecnológica em curso. O custo de baterias, painés solares e geradores eólicos vem caindo, numa tendência de bater fontes como carvão e derivados de petróleo. “Vemos vencedores claros nos próximos 25 anos: gás natural e especialmente energia do vento e do sol. Eles substituirão o carvão, que predominou nos 25 anos anteriores”, diz Fatih Birol, diretor executivo da Agência.

Mas essa transição tecnológica sozinha e as metas do Acordo de Paris não são suficientes para evitar o pior do aquecimento. Não nos salvariam a tempo de evitar o aumento de 2 graus. Por isso, há uma pressão crescente para acelerar a implantação das metas de Paris e aumentar seu rigor. A questão é quantos furacões devastadores como o Matthew serão necessários para criar a mobilização popular necessária.