A celulose de folhas, bagaços, capins e outras biomassas tem sido apontada como principal alternativa para substituir o petróleo na produção de combustíveis, produtos químicos e biomateriais. É o que está acontecendo em Alagoas e no interior de São Paulo, onde começaram a operar as primeiras usinas de etanol de segunda geração (2G). Para ser utilizada com esse fim, contudo, a biomassa precisa ser desconstruída, tarefa que cabe às enzimas.

A produção e o uso dessas proteínas com essa finalidade foi objeto de debate em Simpósio promovido na segunda e terça-feira (23 e 24/11), em Brasília/DF, pela Embrapa Agroenergia. O evento, chamado de Agroenergia em Foco, reuniu, além dos pesquisadores da instituição, cientistas que atuam no desenvolvimento de tecnologia nessa área em outros centros de pesquisa e representantes de duas das principais empresas produtoras de enzimas no mundo – a DSM e a Novozymes. Esta última detém mais de 40% do mercado.

O chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agroenergia, Guy de Capdeville, afirma que um dos objetivos do Simpósio era justamente reunir agentes da academia e do mercado, para fomentar a parceria público-privado. “Com esse tipo de parceria, podemos chegar muito mais rápido a resultados que façam a diferença”, resumiu.

Na opinião do professor João Furtado, da Universidade de São Paulo (USP), “a indústria de enzimas é importante não pelo tamanho, mas porque desempenha um papel chave para uma série de atividades econômicas”. Dar atenção a essa indústria é fundamental para um País que quer utilizar seus recursos naturais, gerando valor agregado de forma sustentável, enfatizou.

O coordenador-geral de Biotecnologia, Energia e Tecnologias da Informação e Comunicação da Secretaria de Inovação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luciano Cunha de Souza, acredita que dispor de matéria-prima abundante e com baixo custo é um diferencial para países se destacarem na produção de enzimas. Desenvolvimento tecnológico é outro fator importante. Nesse sentido, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) tem dado prioridade na concessão de patentes a tecnologias consideradas verdes. Enquanto, na média geral, leva-se 10 anos para obter uma patente, na área de química renovável esse prazo tem girado em torno dos 18 meses.

As enzimas estão presentes em produtos como detergentes, alimentos e bebidas. Na Novozymes, esses são os três segmentos que sustentam a empresa, com destaque para o primeiro. Mas o presidente da divisão latino-americana da companhia, Pedro Luiz Fernandes, garante que o etanol 2G é um caminho sem volta e está consolidado nos investimentos da empresa para o futuro. “Acreditamos que o açúcar é o novo petróleo”, afirmou em sua apresentação no Simpósio.

Para que esse futuro chegue efetivamente, contudo, é preciso muito investimento. Na opinião do executivo da Novozymes, não há como fazer biotecnologia sem inovação. Ele explica que o ritmo de descoberta de novos microrganismos e moléculas é muito acelerado. “Para fazer biotecnologia, é preciso gastar dinheiro”, enfatiza.

A tecnologia da DSM também foi apresentada no evento pelo engenheiro de processos da empresa, Diego Cardoso. O modelo de negócio da companhia prevê a produção das enzimas dentro das próprias usinas de etanol 2G ou outro produto com origem na biomassa.

Pesquisa

Fungos e bactérias normalmente são as “máquinas” de produção de enzimas utilizadas pelas indústrias que comercializam as substâncias. Na natureza, esses microrganismos geram enzimas justamente para degradar a madeira, por exemplo, e dela se alimentarem. O desafio, no ambiente industrial, é encontrar ou desenvolver linhagens que produzam muito e com baixo custo.Para a degradação do bagaço de cana, por exemplo, nas usinas de etanol, são utilizados coquetéis enzimáticos que chegam a ter mais de 20 substâncias.

Por isso, em muitos laboratórios espalhados pelo País, os cientistas estão de olho nos microscópios e nas placas de petri, em busca de “supermicrorganismos” produtores de enzimas. O professor Aldo Pinheiro Dilon, da Universidade de Caxias do Sul, trabalha desde os anos 1980 com um fungo isolado do intestino de um inseto e chegou a uma linhagem eficiente na produção de um coquetel enzimático para etanol 2G. Os resultados da pesquisa já são utilizados por uma empresa em Pernambuco, que utiliza esse microrganismo para a produção de enzimas a serem utilizadas na indústria de jeans. Agora, há a expectativa de que possa atender à nascente indústria de etanol 2G.

No Laboratório de Bioprocessos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o professor Nei Pereira Júnior também está trabalhando na produção e teste de coquetéis enzimáticos para a desconstrução da biomassa. Ele vê com entusiasmo este momento que ele considera de inserção de mais fontes renováveis na matriz energética global. Para ele, as tecnologias de segunda geração, que convertem em energia resíduos de biomassa, são alternativas para os problemas do padrão atual de consumo de energia, que deve crescer até 2030.

Também no Simpósio Agroenergia em Foco, a pesquisadora Maria Teresa Borges Pimenta, do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), apresentou os resultados de uma pesquisa realizada na instituição que gerou dados sobre a composição química de bagaços de diferentes variedades de cana-de-açúcar, submetidos a vários tipos de pré-tratamento. Ela explica que as informações podem adiantar trabalhos para geração de açúcares, moléculas químicas e fibras a partir dessa biomassa, uma vez que já se pode avaliar, de antemão, o processamento mais adequado para o que se deseja obter.

A avaliação das características da cana-de-açúcar para facilitar os processos de desconstrução da biomassa é também objeto de estudo do professor André Ferraz, da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (USP). A equipe dele analisou a relação entre a quantidade de lignina e a eficiência da ação das enzimas em três híbridos de cana-de-açúcar.

Os testes avaliaram também as diferenças de recalcitrância da biomassa em diferentes partes do caule da planta. Por meio de técnicas de microtomia, os cientistas conseguiram obter cortes finos dos tecidos componentes do caule para medir a diferença na recalcitrância dos tecidos e células que compõem a estrutura dele.

Os dados gerados em todo esse trabalho vão dar suporte a programas de melhoramento e engenharia genética que buscam cultivares mais vantajosos para as indústrias que vão converter a biomassa em açúcares, etanol e outros produtos. Esses conhecimentos permitirão identificar nesta e em outras biomassas quais estratégias devem ser utilizadas no processo de desconstrução das mesmas.

Encontro

O Simpósio Agroenergia em Foco fez parte do II Encontro de Pesquisa e Inovação da Embrapa Agroenergia (EnPI), em que estudantes e profissionais que atuam como colaboradores nos laboratórios desse centro de pesquisa apresentaram os resultados de seus trabalhos.

A produção de enzimas, bem como a prospecção e engenharia genética de microrganismos para a desconstrução da biomassa, estão entre os temas dos pôsteres e apresentações orais. Para o chefe-geral da Embrapa Agroenergia, Manoel Souza, o Encontro é uma oportunidade para colaboradores apresentarem os frutos de seus trabalhos tantos para o público interno quanto para a sociedade.

O diretor superintendente da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), Donizete Tokarski, explicou porque a entidade é uma apoiadora do EnPI. “Entendemos que esse encontro busca isso: que essa empresa que tanto nos honra se aproxime cada vez mais da sociedade”, afirmou.

O evento recebeu apoio também pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF).