Entrevista com o presidente do Conselho Superior da Ubrabio (União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene), Juan Diego Ferrés. Ele é também Diretor Industrial da Granol, empresa que atua no complexo soja (farelo e óleo) e na produção de biodiesel. Envolvido com o tema biodiesel desde os anos 90, Ferrés é um dos pioneiros do biodiesel no Brasil, tendo se tornado defensor do biocombustível muito antes da criação do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB).

O B7 já incrementou e poderá aumentar a produção de biodiesel no Brasil? Quais as expectativas e avanços?

Diego Ferrés: A Lei 13.033 tornou definitivo o aumento da mistura de biodiesel ao óleo diesel para 7% (B7) em todo diesel consumido no território nacional, uma medida importante, que firma o Brasil como exemplo global em produção e uso de biocombustíveis e reflete o compromisso do País com o desenvolvimento sustentável nas esferas econômica, social e ambiental.

A conquista da ampliação do uso de biodiesel na matriz energética brasileira foi um fator determinante para a expansão da oferta de energia limpa e renovável do País. A progressão do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) destaca o potencial do Brasil para liderar o debate internacional sobre biocombustíveis. Com o uso do B7, estimamos um consumo ao longo de 2015 de 4,2 bi de litros, volume que pode elevar o Brasila segundo maior produtor de biodiesel no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

O B7 impacta positivamente na balança comercial brasileira, reduzindo a dependência nacional da importação de diesel em mais 1,2 bi de litros/ano, o que representa uma economia de aproximadamente USD$ 800 milhões a mais ao País.

Além disso, o PNPB já gerou mais de 1,3 milhão de vagas de emprego em toda a cadeia produtiva do biodiesel, do campo até os postos de combustíveis. Com a vigência do B7, estima-se que serão criados mais de 130 mil postos de trabalho, distribuídos por todo território nacional, e mais centenas de milhares de novos empregos formais para os próximos três anos, continuando com a evolução gradual para B8, B9 e B10. Esse crescimento em cadeia reflete a perspectiva positiva do setor para a 2ª fase do PNPB.

Em relação ao potencial produtivo do País, o avanço do PNPB permite o aproveitamento de terras férteis, água, insolação, variedades genômicas, mão de obra, conhecimento e modelos produtivos e transforma esses potenciais em desenvolvimento de novas cadeias de oleaginosas com repercussão em diversos setores, a exemplo do estímulo ao processamento interno de soja, que gera óleo e farelo e agrega valor ao grão. Além disso, o Programa incentiva a inclusão produtiva de pequenos agricultores, contribuindo para a mitigação das disparidades regionais, o que permite a redução da pobreza extrema no campo.

O avanço para B7 e a evolução gradativa para o B10 até 2018, também impactam diretamente no desenvolvimento da indústria e tecnologia. O crescimento do mercado consumidor é o vetor da redução da ociosidade das unidades ativas, do retorno de operação das unidades paralisadas, além de novos investimentos para o aumento da capacidade, interiorização da indústria e, com isso, a redução das desigualdades regionais.

Ressaltamos também que a evolução das técnicas produtivas aliada à melhoria das condições logísticas na cadeia de produção contribui para a diminuição da “pegada de carbono” do biodiesel, tornando-o ainda mais competitivo no mercado interno e externo. A produção de biodiesel em grande escala demanda ainda profissionais especializados, gerando emprego e renda, além de investimentos em pesquisa e tecnologia.

No campo socioambiental, o incremento na mistura obrigatória garante renda ao agricultor familiar – por meio do Selo Combustível Social –, reduz a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) e estimula o uso e o desenvolvimento de tecnologias limpas.

Ou seja, tornar o B7 uma realidade foi um significativo passo para a consolidação do setor de biodiesel e para reduzir a exposição do Brasil às oscilações de preço dos derivados de petróleo no mercado internacional. No âmbito social, o incremento vai movimentar bilhões de reais no contexto do PNPB (Programa Nacional e Produção do Biodiesel), que é destaque no mundo em inclusão produtiva, e como conquista ambiental, por proporcionar bem estar e qualidade de vida às populações que sofrem com a poluição veicular.

O setor tem expectativa de aumentar o biodiesel no diesel já no próximo ano?

D: O biodiesel é uma alternativa renovável ao óleo diesel fóssil. Mesmo tendo a segurança que o setor está pronto para novos avanços ainda em 2015, a Ubrabio permanecerá envidando esforços pela previsibilidade e o gradual aumento da mistura obrigatória de biodiesel ao óleo diesel em nível nacional, por intermédio de um Novo Marco Regulatório que dê segurança aos investimentos da cadeia produtiva num horizonte de tempo razoável. Seguindo a lógica adotada pelo governo desde o início do PNPB à qual a Ubrabio faz coro – regularidade do abastecimento e avanços sem sobressaltos – vislumbramos a perspectiva de evoluirmos para B8 em 2016, B9 em 2017 e B10 em 2018.

Essa evolução gradual e continuada da mistura obrigatória em nível nacional deve permanecer como a espinha dorsal da segunda fase do PNPB, Programa que segue tendência mundial de substituição dos combustíveis fósseis por energia renovável e contribui para que o Brasil atinja sua meta de redução de emissões nacionais de gases causadores do efeito estufa em 36,1% a 38,9% até 2020, compromisso voluntário firmado em 2009, durante a Conferência do Clima.

Além da evolução gradual de mistura (B8, B9 e B10), a Ubrabio tem como projetos para usos facultativos de biodiesel o B20, B+ e B Agro.

Desde sua fundação, em 2007, a Ubrabio vem incentivando o uso da mistura de 20% de biodiesel ao diesel fóssil (B20) no transporte coletivo urbano em grandes cidades e regiões metropolitanas, o chamado B20 Metropolitano. Recentemente, propusemos aos prefeitos das 40 cidades brasileiras com mais de 500 mil habitantes – aglomerados que sofrem mais intensamente com a poluição atmosférica –, a utilização do B20, pois o teor de 20% de biodiesel adicionado ao óleo fóssil tem ação efetiva na melhoria da saúde humana, quando a população passa a respirar um ar mais puro, e reduz os gastos públicos com internações e outros custos sociais decorrentes da poluição.

O B + é uma proposta da Ubrabio para permitir que uma distribuidora solicite à ANP, conforme seu interesse, diante do custo comparativo do biodiesel, em regiões produtoras altamente competitivas em relação ao preço do diesel de petróleo, a comercialização do B+, ou seja, dobrar o percentual de biodiesel que estiver vigente como mistura obrigatória nacional durante um determinado período. Por exemplo, com a vigência do B7, a distribuidora poderia solicitar o uso do B14 e, assim, sucessivamente. Ainda na esfera facultativa, a Ubrabio propõe a adoção de um sistema de abastecimento específico para a logística do campo, em tratores, caminhões e máquinas agrícolas, cujos fabricantes já vêm oferecendo garantias para o B30.

Nos últimos anos, a Ubrabio vem mantendo diálogos permanentes com todos os órgãos governamentais, a fim de estimular o aumento da participação do biodiesel em nossa matriz energética, sem encontrar oposição a tais usos adicionais. O B+ é apoiado por setores das três esferas de governo e por parlamentares conhecedores do tema Câmara e Senado Federal. Na nossa interpretação, o governo, em especial o MME e a ANP, já reúne prerrogativas legais e infralegais para implementar esses projetos.

Quais foram os principais desafios do setor de produção de biodiesel em 2014?

D: Até junho de 2014, o setor sofreu pela grande ociosidade das indústrias e trabalhou com grande expectativa de finalmente ver resgatada a evolução do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), após mais de quatro anos de estagnação da mistura obrigatória de 5% de Biodiesel a todo o diesel terrestre consumido no País, a denominada mistura B5.

Durante os últimos anos e incansavelmente ao longo de 2014, a Ubrabio desempenhou papel preponderante na interlocução com representantes do Congresso Nacional e do Poder Executivo. O esforço da entidade foi consubstanciado na produção e disseminação de material técnico e documentos detalhando os benefícios socioeconômicos e ambientais da progressão da mistura.

O primeiro passo formal para alteração da legislação necessária ao avanço do uso do biodiesel foi tomado pela presidente Dilma ao enviar ao Congresso Nacional, em 29/05/14, a Medida Provisória nº 647. Após longa tramitação nas duas casas legislativas, a MP 647 foi transformada em Projeto de Lei de Conversão (PLV n° 14/2014) aprovado por unanimidade no Congresso Nacional e transformado na Lei Ordinária nº 13.033, sancionada em 25/09/14.

Em 1° de julho de 2014, todo o diesel comercializado passou a contar com a mistura B6, estabelecida pela MP 647/2014, que viria a se tornar lei e consolidar o B7. A partir de novembro, mesmo durante o período crítico de disponibilidade de matéria-prima (entressafra), o tão esperado B7 passou a valer e o setor vem garantindo normalidade no abastecimento nacional.

Em relação aos leilões de biodiesel organizados pela ANP para suprir a demanda de biodiesel necessária ao suprimento de nacional de biodiesel, as empresas associadas à Ubrabio permaneceram comprometidas com a regularidade necessária ao setor de combustíveis como um todo. Na média as associadas da Ubrabio abasteceram o mercado nacional com percentual médio de 35% sobre o volume total de biodiesel arrematado nos seis leilões bimestrais, realizados para suprir a demanda ao longo de 2014.

Ao todo, foram arrematados 3,5 bilhões de litros de biodiesel nos leilões realizados pela ANP, para abastecer o mercado brasileiro no período de janeiro a dezembro de 2014. Desse total, 1,2 bilhão de litros foram adquiridos de usinas associadas à Ubrabio, que, juntas, foram responsáveis pela entrega de mais de 1,1 bilhão de litros do biocombustível, isto é, mais de 95% sobre o volume adquirido, enquanto a média nacional de entregas foi de cerca de 94%.

E quais as perspectivas e os principais desafios para 2015?

D: Apesar de ser um programa jovem – o PNPB completou 10 anos em 2014 –, o setor vem demonstrando sua capacidade de evolução, por meio do aumento de escala de produção, da capilaridade da localização das indústrias, da racionalização logística e da evolução contínua da aproximação dos custos da competitividade do biodiesel em relação ao diesel, especialmente nas regiões altamente competitivas. A Ubrabio vem sugerindo que, paralelamente à evolução da mistura obrigatória para B10 até 2018, a 2ª fase do PNPB seja marcada pela ampliação do B20 Metropolitano e dos projetos de uso facultativo: o B+ e o B Agro.

Há expectativa de alguma outra matéria-prima do biodiesel se destacar em 2015?

D: Há desenvolvimento de pesquisas que estudam o potencial das palmáceas para a produção de biodiesel, mas o avanço dos estudos dependem de investimentos que, por sua vez, dependem da previsibilidade de evolução do setor, por meio de um novo marco regulatório para o biodiesel. A produção de biodiesel estimula a diversificação de matérias-primas a partir das potencialidades regionais de todo o Brasil. Atualmente, as principais matérias-primas utilizadas na produção do biodiesel são: o óleo de soja, com aproximadamente 74%, seguida do sebo bovino com cerca de 20%, óleo de caroço de algodão, com 2%, e óleo de fritura com 1%. Canola, palma, gordura de frango e porco, e óleo de nabo-forrageiro, correspondem juntos a cerca de 3%. Há ainda o desenvolvimento de pesquisas que estudam o potencial das microalgas, pinhão-manso, macaúba e recentes avanços na biologia sintética para a produção de biodiesel e bioquerosene.

A produção de biodiesel a partir de microalgas, óleo de cozinha e outros terá aumento em 2015?

D: Em relação aos óleos e gorduras residuais, sim. Inclusive, na atualidade, o óleo residual atingiu proporções comerciais e representa cerca de 1% da matéria-prima utilizada na produção de biodiesel, com aproximadamente 35 milhões de litros. Em relação às microalgas, ainda são necessários significativos investimentos, especialmente tecnológicos, nas fases iniciais de produção, requerendo um prazo mais demorado para que alcance escala comercial. Somente políticas de previsibilidade para crescimento do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel poderão abreviar este prazo.