Uma planta muito comum em grande parte do Brasil pode se transformar na mais nova fonte de energia limpa para a aviação mundial. Grandes empresas aéreas internacionais estão em busca de alternativas para o querosene que move as turbinas e a macaúba pode ser a solução. Os problemas para transformar uma planta rústica em um ótimo negócio para agricultores não existem mais. Pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal de Viçosa (UFV) fecham a cadeia produtiva da macaúba que, agora, está pronta para se transformar no novo ouro verde do Brasil. E Minas Gerais pode estar à frente do negócio, aproveitando áreas de pastagens degradadas para cultivo agrosilvopastoril.

A UFV está participando da plataforma de bioquerosene de Minas Gerais e de reuniões com empresas aéreas comprometidas em reduzir, pela metade, a emissão de gases do efeito estufa até 2020. “Entre todas as outras opções, a macaúba promete ser a vedete do bioquerosene, não apenas pela qualidade do óleo, mas, também, por ser uma planta totalmente aproveitável do ponto de vista comercial”, afirma o professor Sérgio Motoike, coordenador da equipe de pesquisadores da macaúba na UFV.

A macaúba é uma palmeira oleaginosa presente em quase todo o território brasileiro, mas é em Minas Gerais que estão concentradas as populações mais produtivas. A planta é rústica, facilmente adaptável e já muito conhecida por agricultores. É comum ver os frutos serem comidos pelo gado ou por pessoas interessadas na amêndoa da planta, que tem cheiro doce e gosto de coco.

Há algumas décadas, era comum países como Paraguai e Brasil colherem a macaúba para retirar o óleo e fazer sabão. O problema, como explica o professor Motoike, era o difícil cultivo comercial da planta, porque a taxa de germinação das sementes era muito baixa e havia pouco conhecimento agronômico para melhorar a produtividade e as técnicas de colheita e processamento da planta. Estes problemas não existem mais. A equipe do Departamento de Fitotecnia da UFV estuda todo o processo produtivo da macaúba há mais de dez anos e já tem dominado todo o conhecimento necessário para que a macaúba se torne uma alternativa comercialmente viável para o Brasil.

Da semente à colheita

A UFV sedia, hoje, um grande banco de germoplasma da macaúba, provavelmente o maior do mundo, onde estão sementes e mudas de diversas variedades da planta do Brasil e de países latino-americanos. Segundo o professor Motoike, as sementes rústicas são usadas para fazer o melhoramento genético da planta, criando variedades mais produtivas e resistentes às pragas e adaptáveis aos diferentes climas e ambientes.

Transformar uma planta selvagem como a macaúba em planta agrícola domesticada requer um trabalho coordenado das diversas áreas da agronomia. O problema da germinação das sementes foi resolvido há muito tempo. Tanto que a UFV detém a patente do processo comercial de germinação, desenvolvido pela equipe do professor Motoike, em 2007, e já usado por empresas produtoras de mudas.

Depois de garantir mudas de qualidade, era preciso cuidar dos tratos agronômicos da planta. Essa tem sido a tarefa do professor Leonardo Pimentel que já desenvolveu pesquisas capazes de definir a melhor forma de plantio, espaçamento entre plantas e fileiras, exigências nutricionais para adubação e identificação das principais doenças que podem afetar um plantio comercial. Um pé de macaúba demora quatro anos para produzir frutos. A planta é perene e, bem adubada, produz por muitos anos. O plantio comercial pode comportar mais de 400 plantas por hectare. Com as novas tecnologias disponíveis, a expectativa é de uma colheita de 25 mil quilos de macaúba por hectare, o que gera cinco mil quilos de óleo por ano.

As pesquisas têm sido feitas com o apoio financeiro da Petrobrás, que tem interesse na planta para produção de biodiesel. Outras empresas europeias também estão de olho na macaúba. Para conhecer os avanços que as pesquisas da equipe de Viçosa já alcançaram, o Laboratório de Pós-colheita da macaúba na UFV recebe estudantes de vários países. Mas o professor Sérgio Motoike quer mesmo que a planta faça sucesso no Brasil, transformando-se em uma fonte de renda, sobretudo para pequenos agricultores. “A macaúba é 100% aproveitável e tem potencial para ser uma cultura ambientalmente sustentável. Temos certeza de que é um investimento muito interessante”, afirma o professor.

Mil e uma utilidades

O que a indústria quer da macaúba é o óleo para fabricação de biodiesel e bioquerosene, mas os produtores têm outros atrativos para otimizar a cultura. Internamente, a macaúba produz dois óleos de qualidades diferentes. O da amêndoa, bem no centro do fruto e em menor quantidade, é parecido com o óleo de coco ou de dendê. É perfumado, palatável e pode ser usado tanto na alimentação quanto na indústria cosmética. Até o endocarpo, que é a parte que envolve a amêndoa para proteger a semente e separa as duas fontes de óleos, pode ser aproveitada. Ela é escura e semelhante à madeira, por ser muito dura e difícil de ser quebrada. Por isso, vem sendo utilizada com sucesso como carvão vegetal ativado, com alto poder calorífico e fumaça livre de emissões tóxicas. Ele também é aproveitável para produção de filtros e retenção de impurezas.

Já o óleo para biocombustível é extraído da parte mole, o mesocarpo, que precisa ser processado de maneira correta para melhor aproveitamento do óleo. O que sobra da extração pode ser moído e virar farinha, tanto para alimentação humana como para ração animal, porque é palatável e não possui toxidez. A equipe da UFV já computou a produtividade de cada um dos subprodutos da macaúba para estimular o plantio e os resultados são muito interessantes do ponto de vista comercial.

Mas por que os produtores rurais ainda não tinham se rendido aos encantos financeiros da macaúba? Por três motivos, segundo o professor Sérgio Motoike. O primeiro deles era a falta de interesse de uma indústria de grande porte e uma aplicação concreta a longo prazo, como é o caso do bioquerosene sustentável para aviação. Segundo, porque faltavam pesquisas sólidas de toda a cadeia produtiva capazes de dar respostas aos agricultores. E, por último, porque a macaúba apresentava um problema que também já foi resolvido pela equipe da UFV. É que, no extrativismo, como ainda acontece hoje em dia, os cocos da macaúba caem no chão e são comidos pelo gado. Os produtores esperam que caiam em grandes quantidades para vendê-los à indústria de sabão. Caídos em dias diferentes e em contato com a umidade do solo, os cocos apodrecem e o óleo rancifica e escurece, perdendo todo o interesse comercial. Rancificado, a indústria de biocombustível também iria rejeitar o óleo.

“As vantagens da macaúba só fazem sentido se houver logística de colheita e o processo de extração do óleo for comercial”, afirma o professor José Antônio Grossi, responsável pelas pesquisas em pós-colheita e de qualidade dos óleos da macaúba.

Ele explica que a planta demora de 12 a 14 meses para formar completamente os frutos. Experiências com melhoramento genético já ampliaram o tempo em que o fruto fica aderido à planta, evitando a caída precoce e o apodrecimento. Outros estudos permitiram melhorar a tecnologia para armazenamento dos frutos e retardar a rancificação dos óleos. “A macaúba produz um hormônio que faz com que a maturação continue depois da colheita e já temos conhecimento para interferir neste processo”, diz o professor Grossi. “A boa notícia é que a técnica desenvolvida pela equipe da UFV, além de retardar o apodrecimento, também aumentou em 20% o teor de óleo na macaúba. Temos que dar mais tempo pra a indústria processar este óleo. A safra normalmente vai de novembro a fevereiro, mas, com a ajuda do banco de germoplasma e do melhoramento genético, vamos ter frutos maduros em outras épocas do ano também”, afirma o professor.