Governo levanta dados sobre todos os 3,7 mil postos de combustíveis em rodovias federais e promete fiscalizar e agregar serviços públicos aos locais considerados como adequados ao descanso de caminhoneiros

O Ministério dos Transportes (MT) se armou para dar conta das demandas que vão surgir logo após o fim do longo impasse em torno da polêmica Lei do Descanso (12.619/2012), com foco em motoristas de caminhões. Seus técnicos levantaram ano passado junto a órgãos públicos, seguradoras e redes do varejo de combustíveis todos os dados disponíveis sobre potenciais pontos de parada na malha rodoviária federal — essenciais ao cumprimento dos intervalos obrigatórios de viagem, em vigor há 20 meses.

“A nova legislação provocou embate de interesses contrários. Enquanto a Casa Civil e o Congresso trabalham para encontrar uma saída, o ministério já se antecipou para facilitar a sua implementação”, explica Marcelo Cunha, diretor do departamento de informações do MT, ao Correio. Segundo ele, foram listados os 3,68 mil postos de combustíveis das BRs, com informações básicas de perfil, como se tem sanitário ou restaurante. A elas foram agregadas a localização em mapas virtuais e imagens da via.

Para completar a pesquisa, há um mês o portal do ministério dos transportes que exibe questionário para que os próprios donos dos estabelecimentos acrescentem detalhes voluntariamente. Só 180 responderam até agora. “Os postos foram nosso alvo por serem a atividade comercial mais associada aos caminhoneiros. Mas também serão considerados outros estabelecimentos, como hotéis e restaurantes de beira de estrada”, ressalta Cunha.

Em um segundo momento, o MT vai oferecer aos locais apurados a chance de adotar identificação de parada credenciada pelo governo. “Para obter esse selo, será preciso preencher critérios mínimos a serem fixados pelo Ministério do Trabalho, como segurança, vigilância e salubridade”, acrescenta o diretor. A distinção deverá ser classificada de uma a três estrelas, conforme o padrão.

Ele lembra que o número total de postos já atendem o pressuposto de cobertura, se considerar que só há 28 trechos sem paradas com, no máximo, 200 quilômetros uma da outra. “Se dividir os 61 mil quilômetros da malha federal pela distância desejada, o mínimo seria 305 postos, quase 10 vezes menos que o total existente. Mas é claro que nem todos serão classificados como ideais”, observa.

O governo admite que a maior deficiência dos locais está na falta de proteção contra roubos e furtos. As ocorrências de crimes, inclusive, podem descredenciar o selo da parada, que serve de indicador de referência e não como alvará. Cunha informa que esses pontos autenticados poderão servir como plataforma para serviços públicos e ações de governo, como campanhas educativas para motoristas, além de suporte ao monitoramento de escoamento de grandes safras de grãos. “As paradas são o principal alvo de roubos, drogas e prostituição. Melhorar esse ambiente pode até reduzir o valor cobrado pelas seguradoras de caminhões”.

Postobrás

Para elaborar esse plano, o MT pesquisa as melhores práticas empregadas no mundo nessa área, mas o diretor descarta seguir o modelo francês, no qual todas as paradas são estatais. “Não queremos criar uma Postobrás”, brinca, acrescentando que o setor privado, inspirado na lei, vai encontrar boas oportunidades de negócios. Sobre a possibilidade de as concessionárias de estradas da União investir em paradas, o diretor afirma que os contratos já preveem apenas áreas de estacionamento para cargas perigosas próximas às praças de pedágio. Mas ele acredita que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) pode ainda construir pontos de apoio para estimular a ocupação de trechos sem qualquer assitência.

Para Clarisse Dinelly, advogada trabalhista especializada no setor de transportes, a Lei do Descanso ainda não vingou. “Na prática, a única diferença é um pouco mais de rigor das transportadoras com horários de viagens para outras cidades e estados. As maiores, inclusive, têm até um controle maior, como o rastreamento via satélite e outros recursos”, explicou.

A maior carência para tirar as novas regras do papel está, na sua avaliação, nos investimentos na estrutura e nos serviços oferecidos pelos pontos de parada na beira de estrada, que não têm incentivo legal para fazer cumprir a norma do descanso mínimo de meia hora. “Parar em lugares isolados é arriscado, conforme mostram os assaltos a carga sob responsabilidade da empresa e do motorista. Com isso, o governo faz vista grossa”, observou. Esse impasse deve durar até o governo e o Congresso definirem a revisão do texto da lei.

Justiça

Na opinião de Clarisse, as autoridades simplesmente não têm como fiscalizar se sequer existe o local de pouso reconhecido como capaz de exercer esse papel. Apesar desses problemas, a advogada desconhece ação movida contra o governo e empresas em razão dessa deficiência. “Os empregados de transportadoras já buscam os seus direitos na Justiça. Mas o autônomo só ganha com sua produtividade. Para eles, o controle do tempo da jornada é algo ruim, mesmo sendo uma questão de saúde e segurança”, argumentou.

» Penalidades

O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) considera infração grave o descumprimento dos horários de parada e de descanso, sujeita a multa e a retenção do veículo. Para o controle das horas trabalhadas, as polícias rodoviárias poderão usar tacógrafo — dispositivo implantado para medir a velocidade e o tempo de direção. Polícia e fiscais do Ministério do Trabalho também podem exigir a apresentação do diário de bordo dos veículos, que é de responsabilidade do motorista e da empresa. O tempo em que o veículo ficar parado — seja nas barreiras fiscais, seja no aguardo de carga ou descarga — não será computado como hora extra.

» Efeitos retardados

A Lei 12.619, mais conhecida como Lei do Descanso ou Lei dos Caminhoneiros, foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em abril de 2012, com efeitos a partir do mês seguinte. Mas a sua aplicação foi adiada por resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) até 12 de março do ano passado, quando terminou a fase reservada à adaptação das empresas e órgãos de fiscalização. Os dispositivos que acabam regulamentando a profissão de motorista deveriam estar sendo cumpridos na íntegra. Mas a garantia do controle da jornada de trabalho e outros direitos historicamente desrespeitados está sujeita a alterações propostas por uma comissão especial do Congresso Nacional sobre a lei já promulgada. O texto do grupo parlamentar, formado na maioria por ruralistas e empresários do agronegócio, foi duramente atacado pelos defensores da lei.