Por: Sergio Amaral

Governo e portuários ainda não se acertaram em torno da Medida Provisória 595, mais conhecida como “MP dos Portos”. Para tentar o acordo e apaziguar os ânimos dos sindicatos ligados aos trabalhadores dos Portos, o relator – que também é líder do Governo no Senado – acolheu 137 de um total de 645 emendas apresentadas. A Comissão aprovou o parecer do senador Eduardo Braga mas ele próprio admitiu que o texto final não é o que o governo esperava.

O debate, claro, está longe de terminar e a partir dessa semana será retomado com vigor no Congresso.

Oportunidade que pode ser aproveitada para desatar outros nós de toda a logística em torno dos portos brasileiros, com pelo menos um ponto que nem de perto é ou foi discutido ao longo de todos os debates sobre a matéria. Trata-se da produção nacional de Biodiesel, combustível limpo, renovável e detentor do Selo “Combustível Social”.

A ligação entre os dois temas é quase óbvia aos olhares mais atentos.

O crescimento do comércio exterior tem sobrecarregado praticamente todos os nossos portos, a ponto de detonar um processo que, mesmo comum em outras partes do Globo, aqui é considerado uma inovação – o trabalho ininterrupto durante as 24 horas do dia.

Esse movimento crescente nos terminais ao longo dos últimos anos, provocou outro mais visível ao público leigo, o congestionamento nas estradas que dão acesso aos portos, principalmente aos maiores. Quem nunca viu, nos telejornais de alcance nacional, a imagem de centenas, ou milhares de caminhões fazendo fila para carregar ou descarregar sua carga?

Pois essas filas enormes poderiam sofrer sensível redução com uma providência simples, porém de enorme impacto na economia e em nossa logística. Bastaria ao Governo Federal dobrar o atual percentual de mistura de Biodiesel ao Óleo Diesel de matriz fóssil, fabricado com petróleo.

Avanço em cima de resultados

Desde a década passada, com a criação do PNPB – Programa Nacional de Uso e Produção do Biodiesel, houve enormes avanços neste item de nossa matriz energética.

O País optou por um processo de gradualismo no incremento da produção e do uso do novo combustível. Com cautela, o marco regulatório do Programa, uma lei de 2005, estabeleceu inicialmente a mistura obrigatória de 2% de Biodiesel, o chamado B2, ao diesel de origem fóssil (petróleo), comprado em grande parte no exterior. A mesma Lei previa chegarmos à mistura de 5% – o B5 – apenas em 2013.

Mas os esforços do governo federal, combinados com a crença do setor produtivo no Programa, aliados aos resultados socioeconômicos e ambientais trazidos por este novo combustível limpo, provocaram crescimento vigoroso do Setor. O resultado foi a antecipação do cronograma.

Em julho de 2008, foi introduzido o B3. Um ano depois, em julho de 2009, com a avaliação positiva do desenvolvimento do Programa chegamos ao B4. Com mais um período de testes e nova avaliação positiva, o País entrou finalmente na era do B5 – mistura de 5% de Biodiesel – em janeiro de 2010, portanto três anos antes do previsto.

Ressalte-se que esse foi um período necessário e importantíssimo para fazer os ajustes em toda a cadeia produtiva. Foi também fundamental para o aprendizado das distribuidoras de combustíveis. Elas adequaram toda a sua infraestrutura para fazer a adição do Biodiesel ao diesel convencional, e toda a sua logística para fazer chegar a mistura B5 aos quase 40 mil postos de abastecimento em todo o País.

Foi um período fértil também para que as empresas produtoras de Biodiesel agregassem um número cada vez maior de famílias inscritas no Programa Nacional de Agricultura Familiar, que foram transformadas em suas fornecedoras permanentes. Se em 2005 eram pouco mais de 15 mil famílias, em 2012 o número chegou a 105 mil, com tendência de crescimento. Essa relação provocou uma verdadeira revolução no campo, já que a renda proporcionada pela venda da matéria prima hoje é fundamental para manter mais de 400 mil pessoas em várias regiões do País.

O tempo também foi de aprimoramento no processo de produção. Hoje, o Biodiesel fabricado no País tem qualidade muito melhor que a dos primeiros anos de produção, além de estar também no topo do ranking mundial, se comparado com o nível do combustível produzido em qualquer outro País.

Outro ponto que merece destaque é o do impacto inflacionário. Os preços do Biodiesel tem registrado uma consistente trajetória de baixa. No último leilão da ANP, o litro do combustível foi comercializado a R$ 2, já bem próximo do preço do diesel fóssil.

Todos esses avanços no Programa Nacional do Biodiesel indicam que o Brasil pode ser mais ousado para solucionar outras pendências e passivos.

É o caso do aumento do consumo de derivados de petróleo. Embora nossa produção de óleo bruto tenha crescido, ainda não conseguimos suprir a demanda pelos derivados, que acabamos buscando no mercado externo. O crescimento dessas importações só aumenta os problemas – que já não são pequenos – em nossos portos.

O primeiro deles é o movimento nos atracadouros, substancialmente maior. Logo seguido pela complexa logística de distribuição pra fazer chegar esse combustível ao interior do País. Logística que começa com a delicada operação para descarregar os navios, passa pelos dutos que levam o produto dos portos às bases de distribuição, e daí para um sem número de carretas e caminhões encarregados de suprir os postos de abastecimento Brasil afora.

O Biodiesel já tem, pelas próprias características de sua produção, um enorme diferencial competitivo, quando analisamos esse aspecto da logística.

A produção é descentralizada, está em todas as regiões do País. Ela também é ‘interiorizada’, até para aproveitar a proximidade dos fornecedores de matéria prima. Os dois fatores somados, claro, facilitam muito o processo de distribuição. Há pelo menos uma fábrica de Biodiesel perto de um grande centro consumidor e dos atuais pólos distribuidores de combustíveis.

A tradução de tudo isso é simples: aumentar a produção e a participação do Biodiesel em nossa matriz energética significa racionalizar a distribuição com redução de custo.

Brasil pronto para o B10

No ano passado, o Brasil importou 6,6 bilhões de dólares de óleo diesel. O valor representou 34% do saldo da Balança Comercial, que foi de 19,4 bilhões de dólares. O número só não foi pior porque a utilização do Biodiesel na proporção de 5% (B%) evitou uma despesa extra de 2,3 bilhões de dólares.

Mas a situação é preocupante. Só nos dois primeiros meses deste ano, já importamos 84% mais diesel do que nos dois primeiros meses do ano passado.

No período entre 2007 e 2012, o país gastou 41 bilhões de dólares comprando óleo diesel no exterior – quantia que iria a 49 bilhões se não tivéssemos nosso Biodiesel.

O B5 também contribuiu em outra frente. Setenta por cento dos 2,7 bilhões de litros de Biodiesel produzidos no Brasil ano passado tiveram a soja como matéria prima. Considerando que apenas 20% de cada grão do produto são transformados em combustível, isso significa que cerca de 10 a 11 milhões de toneladas de soja distribuídas nas usinas não foram exportadas – portanto, esvaziaram nessa proporção as longas filas nas estradas de acesso aos portos. Além disso, quando exportamos soja in natura, contribuímos para gerar empregos no país onde ela será industrializada. Esse volume da oleaginosa aproveitado aqui no Brasil na fabricação do óleo de soja e posteriormente do Biodiesel, inverte a lógica – gerando emprego e renda aqui mesmo e agregando valor ao produto final também aqui em nosso País.

Importante destacar ainda que, mesmo produzindo 2,7 bilhões de litros em 2012, a indústria operou com apenas 40% de sua capacidade instalada. O que vale dizer que, mesmo sem utilizar toda a atual ociosidade de 60%, a indústria brasileira tem como responder imediatamente a um chamamento para dobrar sua participação na matriz energética.

O gradualismo do Programa Nacional do Biodiesel foi importante. O País deu passos que poderia dar. Fez os ajustes que precisava fazer. Desenvolveu a qualidade do produto com extrema rapidez. As emissões de poluentes com a utilização do Biodiesel são menos da metade das emissões do diesel fóssil.

Agora, é hora de ousar.

O Brasil está pronto para o B10.