Seja por uma questão de sobrevivência ou por pressão da sociedade, as gigantes do petróleo mundial estão voltando seus olhos para fontes renováveis e/ou limpas de geração de energia.

A Petrobras, que começou o ano se distanciando dos biocombustíveis, termina 2017 revendo seu plano estratégico para voltar a incluir investimentos em novas tecnologias.

Os motivos são cada vez mais aparentes: no mês de aniversário de 20 anos do protocolo de Kyoto e dos dois anos do Acordo de Paris, as grandes companhias se veem pressionadas por lideranças mundiais a participar das estratégias para combater o aquecimento global.

Algumas dessas ações foram anunciadas durante a Cúpula do Clima, em Paris, no último dia 12 de dezembro, pelo presidente da França, Emmanuel Macron, o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim e o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.

Uma das medidas mexe diretamente no bolso do setor petrolífero: o Banco Mundial anunciou que vai deixar de financiar a exploração e extração de petróleo e gás a partir de 2019, ao mesmo tempo que aumentará empréstimos a projetos que ajudem a reduzir o aquecimento global.

A proximidade desse anúncio fez com que oito gigantes do petróleo e gás (ExxonMobil, BP, Eni, Repsol, Shell, Statoil, Total e Wintershall) se adiantassem, em novembro, para também se comprometeram publicamente a reduzir as emissões de metano e aumentar a transparência em relação a esses dados.

O que esperar desses anúncios

Para o professor Luiz Pereira Ramos, do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR), as iniciativas estavam desestimuladas pelo fato de o preço do petróleo ter caído nos últimos anos e do recurso ainda ter uma sobrevida relativamente longa no planeta. “Ainda teremos muitas décadas de predominância do petróleo”, analisa.

Assim, a adesão a projetos de baixo carbono pelas gigantes do setor depende mais de uma mudança de mentalidade. “Se [a energia limpa] for mais cara, vamos ter que aprender a precificar os seus benefícios: ar mais saudável, menos doenças respiratórias, maior qualidade de vida”, avalia.

As principais alternativas que as grandes do petróleo têm buscado passam pela eletricidade produzida a partir das energias solar e eólica e também pelos biocombustíveis, de preferência os de segunda geração, produzidos a partir de resíduos urbanos e da agricultura, ou seja, não utilizados na alimentação.

No Brasil, após a Petrobras anunciar que deixaria de operar no mercado de biocombustíveis, ano passado, a expectativa na área se voltou à construção da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio).

Enquanto isso, multinacionais do óleo aproveitam a brecha para explorar recursos como o sol do Nordeste: recentemente, a norueguesa Statoil, por exemplo, adquiriu uma substancial participação na planta de energia solar de Apodi, no Ceará.

Sol do Ceará

Em outubro deste ano, a norueguesa Statoil anunciou um acordo para adquirir 40% da participação na planta de energia solar de Apodi em Quixeré, no Ceará. A obra deve ficar pronta no fim de 2018 e gerar cerca de 162 megawatts, atendendo mais de 160 mil residências. O investimento foi de US$ 25 milhões na compra e deve ser de mais US$ 30 milhões no projeto.

A empresa informa que possui capacidade de abastecer mais de 1 milhão de casas com energia eólica offshore. A Statoil opera os parques eólicos Sheringham Shoal, Dudgeon e Hywind Scotland, no Reino Unido. Os dois últimos começaram a operar em outubro. A companhia ainda detém 50% do parque eólico de Arkona, na Alemanha, que entregará energia em 2019.

Eficiência do Atacama

Em seu último grande investimento em energia limpa, a francesa Total preferiu focar no armazenamento. Para isso, adquiriu uma fabricante de baterias, a Saft. A empresa, porém, já tinha adquirido a norte-americana SunPower. Um dos principais projetos em que a subsidiária está envolvida é mantido em um dos lugares mais ensolarados do mundo, o deserto do Atacama, no Chile: a planta de energia solar de Salvador é uma das mais eficientes do mundo e gera cerca de 70 megawatts, suficientes para 70 mil residências, aproximadamente. Os franceses também pretendem equipar 5 mil postos de gasolina no mundo com painéis solares nos próximos cinco anos.

Pesquisas

A ExxonMobil, empresa de petróleo de capital aberto mais valiosa do mundo e tida como conservadora em relação a novas tecnologias, prefere investir em um grande número de projetos menores de geração de energia com baixa emissão de carbono.

Um deles é o da Synthetic Genomics, que pesquisa o cultivo de algas para gerar biocombustível. Outro investimento é feito na Fuel Cell Energy, que produz células que transformam emissões de gás carbônico em eletricidade.

O plano atual da Exxon envolve o investimento de US$ 1 bilhão por ano em pesquisa, desenvolvimento e implantação de tecnologias de baixa emissão de carbono.

Hélices no lugar de plataformas

A energia eólica é tida como de grande interesse pelas gigantes do petróleo. Isso porque muitos dos campos concedidos estão no mar, onde essas empresas já têm larga experiência. Especialistas estimam que os ventos que sopram no Mar do Norte, por exemplo, tenham capacidade para gerar 200 gigawatts de energia, ou até mais. Hoje, no entanto, pouco mais de 10 GW são aproveitados.

De olho nesse potencial, o governo holandês abriu concorrência para a exploração de campos como os de Borssele. A vencedora dos campos Borssele 1 e 2, a petrolífera estatal dinamarquesa DONG Energy, ganhou a concorrência com uma proposta 2,7 bilhões de euros mais barata que inicialmente estimado, e com a promessa de gerar 752 megawatts — 22,5% a mais de energia que o prometido inicialmente —, outra petrolífera, a Shell, participa das áreas 3 e 4.

No Reino Unido está em construção, também pela DONG, o maior campo offshore de energia eólica do mundo, o Hornsea Project Two, com capacidade para 1.386 MW, suficientes para abastecer 1,3 milhões de casas.

Pipas

A Shell, que anunciou recentemente que iria dobrar os investimentos em energia limpa, participa de outras iniciativas interessantes. Uma delas é usar a energia de ventos mais altos usando pipas. A empresa tem participação na startup britânica Kite Power Systems (KPS).

A tecnologia não é tão complicada quanto parece: duas pipas ficam ligadas por cabo a um carretel. Enquanto um dos artefatos sobe, ou outro desce, fazendo a turbina girar. Cada sistema tem o potencial para gerar 500 kilowatts de energia, o suficiente para abastecer 430 casas.

Mudança de rota

Após anunciar um prejuízos nas operações em biocombustíveis, vender suas participações nas produtoras de etanol Guarani e Nova Fronteira e ainda fechar algumas de suas plantas de biodiesel como a de Quixadá, a Petrobras voltou atrás no final do ano e passou a sinalizar um retorno a investimentos em energia limpa.

Ao falar sobre ajustes no plano estratégico, o presidente da companhia, Pedro Parente, disse que a Petrobras pode — como a Exxon — estudar joint ventures ou investimentos em pequenas empresas da área. Enquanto isso, a companhia informa que continuará investindo na pesquisa de energias renováveis e biocombustíveis.